Em
entrevista exclusiva ao programa Salão Nobre, que estreou na TV Senado na
quinta-feira (30), o presidente do Senado, Eunício Oliveira, defendeu a
aprovação de mudanças nas regras eleitorais até o dia 30 de setembro. Para ele,
é essencial redefinir questões como financiamento de campanha, coligações,
cláusula de barreira para partidos e aperfeiçoamento do sistema de voto, como o
“distritão” ou o voto distrital misto.
O texto da
reforma política deve chegar ao Senado antes do recesso parlamentar,
proveniente da Câmara dos Deputados, disse Eunício Oliveira na entrevista à
jornalista Glauciene Lara. O presidente do Senado também falou sobre a atuação
do Congresso em um momento conturbado no país, avaliou o impacto de propostas
importantes votadas recentemente — como a renegociação da dívida dos estados e a
PEC do Foro Privilegiado — e garantiu que a reforma trabalhista será amplamente
debatida no Plenário do Senado. Leia abaixo os principais trechos da
entrevista.
O país passa
por um momento de turbulência política e econômica e isso vem de algum tempo, o
senhor já assumiu a Presidência neste momento. Como é que o Congresso tem se
comportado diante dessas turbulências?
Eunício
Oliveira: Todos sabemos que o Brasil vive um momento difícil do ponto de
vista da economia e da política. Quis Deus, talvez, e o destino que eu sentasse
na cadeira de presidente deste Poder neste momento tão conturbado da vida
política nacional. E o estilo que trago da minha história, da minha vida
política, da minha vida empresarial, da minha vida pessoal é o estilo da
conciliação, é de buscar o entendimento. E mesmo com todas essas questões e as
dificuldades, o Congresso Nacional nunca obteve uma performance de votações de
matérias importantes e na quantidade que nós conseguimos fazer. Desde 2007 até
hoje, foi o maior número de matérias votadas, todas as matérias importantes, no
Senado Federal. Então a Casa está funcionando naturalmente, os debates estão
acontecendo, o regime democrático é importante. E aí quem lutou contra a
ditadura militar, como lutei, e neste momento está sentado naquela cadeira, no
momento mais importante do debate político no país, acirrado e radicalizado
muitas vezes, com paciência temos dado o comando e obtido bons resultados do
ponto de vista legislativo, sempre voltado ao interesse da população
brasileira.
Para
solucionar a crise econômica, talvez a matéria mais importante votada foi a
renegociação da dívida dos estados.
Nós votamos
várias matérias do ponto de vista da economia, de beneficiar a população. E ao
votar matérias importantes para beneficiar estados e municípios, estamos
beneficiando pessoas, porque as pessoas vivem nos municípios, utilizam serviços
públicos, principalmente as pessoas mais simples, mais pobres, que vivem,
trabalham e lutam nesses municípios. O Congresso tem dado essa contribuição na
negociação de dívidas dos estados. Acabamos de aprovar matérias importantes na
Comissão de Assuntos Econômicos. Trouxemos em regime de urgência para o
Plenário. Fizemos uma reunião com 20 governadores e três vice-governadores, com
ministro da Fazenda, presidente da República. Fizemos nosso dever de casa.
Aprovamos as duas matérias que eram importantes para regularização de dívida
dos estados e dos municípios, sem contar várias outras no sentido de melhorar a
qualidade de vida das pessoas, fazer com que a economia desse uma levantada.
Este é o grande problema que temos no Brasil: hoje são 14 milhões de
brasileiros que estão desempregados, e temos a obrigação, não apenas o Poder
Executivo, mas o Poder Legislativo, de dar condição para que essas pessoas
possam ter oportunidade de emprego, principalmente uma leva de jovens que está
chegando ao mercado de trabalho. Então essa é uma grande preocupação desta Casa
e temos buscado dar essa contribuição ao país e aos brasileiros.
Uma outra
matéria econômica foi a derrubada do veto do ISS, imposto municipal. O senhor
participou da negociação desse veto? Houve uma negociação com o Poder
Executivo?
Fui
convidado a fazer uma palestra no dia em que os municípios brasileiros estavam
todos reunidos aqui em Brasília, através da Confederação Nacional de
Municípios. Tinha cerca de 5,5 mil, 6 mil pessoas, e de pé as pessoas pediam
que eu colocasse aquele veto na pauta do Congresso. E eu me comprometi a fazer
a pauta incluindo esse veto. Ao fazer a harmonia dos Poderes, liguei para o
presidente da República [Michel Temer] dizendo que talvez fosse melhor o
governo fazer a reversão daquele veto, porque senão nós iríamos derrubá-lo no
Plenário do Congresso. E então obtive do presidente, com certa dificuldade com
a área econômica, mas obtive do presidente o apoio inclusive para que a base de
sustentação do governo pudesse encaminhar favoravelmente à derrubada do veto.
Os municípios onde as pessoas utilizam seguro-saúde e pagam naquele município,
onde as pessoas utilizam cartão de crédito e pagam naquele município, que eles
possam receber aquele ISS. Até pouco tempo atrás era concentrado em apenas
alguns municípios e estados. A Federação tem que ser pra valer. Somos uma
Federação de estados brasileiros. Então é preciso que tenhamos distribuição da
arrecadação da carga tributária brasileira a todos os municípios. Foi o que
fizemos. Uma das matérias mais importantes para o cidadão e para os municípios
brasileiros. Ou seja, no município em que você contribui, o benefício do
imposto que já é cobrado — não é imposto novo — vai se reverter em educação, em
saúde, saneamento, melhoria da qualidade de vida ou geração de emprego para
quem vive no próprio município.
O senhor
promulgou também a medida provisória que liberou o saque do FGTS. É uma aposta
do governo para estimular o mercado de consumo, principalmente agora que a
inflação está baixa?
Nós tínhamos
na Caixa Econômica Federal bilhões de reais que não pertenciam ao governo nem à
Caixa, pertenciam ao povo brasileiro, aos trabalhadores. Então, essa foi uma
matéria que me deu muito prazer em sancionar, porque está beneficiando
brasileiros em todas as localidades do Brasil. Além disso, utilizamos a
correção desses valores para que as pessoas recebam o valor corrigido. Matéria
dessa natureza ajuda a economia, mas ajuda fundamentalmente as pessoas. Ouvi
pessoas na televisão dizendo que iam botar na poupança metade desse dinheiro,
mas com a outra metade iam fazer um banheiro na sua casa, pagar uma conta
atrasada, ajudar um parente doente.
Essa questão
da liberação do FGTS também está na reforma trabalhista, que tem sido polêmica
aqui no Senado.
O senhor particularmente tem um lado?
Há
necessidade de se atualizar a CLT — que foi algo extraordinário feito lá atrás,
em 1940, mas precisa ser atualizada. Quanto à forma de atualização, quais os
itens, esse é um debate da Casa, um debate extremamente democrático. Fiz no
Plenário do Senado duas sessões específicas para debates. Eu poderia ter
distribuído para apenas uma comissão, mas distribuí para três comissões, para
que fizessem audiências públicas, ouvissem as partes contrárias e favoráveis à
reforma. Isto é próprio da democracia: fazer o debate e no final fazer a
votação. Quem tiver votos ou mais condição de convencer o outro lado vai ser o
vencedor. Não tenho partido nessa questão. Tenho a responsabilidade de tocar as
reformas, para que o Brasil se modernize, para que tenhamos uma Previdência que
possa pagar seus servidores. Sobre a negociação com os estados brasileiros,
votamos uma matéria de urgência para atender dois estados que não tinham mais
condições de pagar seu funcionalismo, seus aposentados, o Rio Grande do Sul e o
Rio de Janeiro. Não podemos deixar o Brasil chegar a esse ponto. Portanto, o
debate é extremamente saudável. Tenho convicção de que quando a reforma
trabalhista chegar no Plenário do Senado será amplamente debatida. Vou dar
espaço para que todos os senadores tenham o tempo regimental para fazer o
debate. Se precisar de um dia, faremos em um dia, se precisar de uma semana,
faremos em uma semana, para que saia do debate — que é democrático, que é
legítimo — o resultado final, que é o resultado esperado para que essa reforma
possa acontecer no Brasil.
O senhor
citou as reformas previdenciária e trabalhista. Outra que tem sido falada e é
importante para o sistema político brasileiro é a reforma política. O que dá
para fazer até outubro para valer nas eleições de 2018?
Essa é uma
reforma das mais importantes porque estamos presenciando uma grande crise
política, pelo modelo político que era o de financiamento por empresas
privadas. Por mais ingênua que seja, a contribuição está sendo colocada sob
suspeição, porque aquele sistema faliu. Faliu, não temos dúvida em relação a
isso. A reforma política é essencial e temos até 30 de setembro para fazer. Conversei
com o presidente [da Câmara dos Deputados] Rodrigo Maia e ele está colocando em
debate, para colocar em votação, a questão da cláusula de barreira, da extinção
dos chamados minipartidos que fazem uma coligação — e temos exemplos aqui de
pessoas que disputaram mandato, receberam mais de 100 mil votos e não obtiveram
a cadeira de deputado, e pessoas que nessas coligações, da forma como eram
feitas, com 6 mil votos estão sentadas numa cadeira. Esse sistema faliu e não
podemos continuar com ele. Proibimos financiamento de empresas privadas para
campanhas políticas. Só temos hoje a condição da pessoa física, e o Brasil não
tem tradição de pessoa física fazer doação a candidatos, diferentemente dos
Estados Unidos e outros países. Não tem essa tradição porque o financiamento
era feito por empresa, era legal, tinha legislação que o amparava. É preciso
que a reforma seja aprovada antes de setembro, que definamos um calendário para
também aprovar financiamento de campanha.
O senhor
acha que tem que mexer no financiamento de campanha?
Com a
estrutura que nós temos hoje, com a proliferação de partidos... O presidente do
TSE, ministro Gilmar Mendes, me disse há pouco dias que tem mais de 20 partidos
prontos para serem instalados no Brasil. Como se não bastasse a quantidade de
partidos que nós temos! Então esse fim das coligações e a cláusula de barreira
vão permitir que a gente enxugue a quantidade de partidos e evoluamos para o
voto distrital misto, para que as pessoas escolham nos seus distritos os seus
representantes, e aqueles que acharem que têm mais popularidade, que têm mais
trabalho pelo estado inteiro, possam disputar pelo estado inteiro. Temos que
evoluir e aprovar algo já para as eleições de 2018. Portanto há uma interface
entre esta Casa e a Câmara dos Deputados, entre os dois presidentes, entre as
lideranças, para que a gente tenha condições de aprovar essa matéria antes da
data prevista de setembro para valer já nas eleições de 2018. Se isso não
acontecer, quem tiver juízo vai ter dificuldade inclusive de fazer disputa
eleitoral. Como não há regras e não há financiamento, como se faz campanha sem
recursos? Isso não existe! Precisamos evoluir o mais rápido possível para
aprovar a matéria.
Como vai
funcionar? O Senado já votou cláusula de barreira, fim das coligações em
eleição proporcional, mandou a matéria para a Câmara. A Câmara tem comissão
específica para reforma política que está votando o texto e vai mandar ao
Senado.
Como fica a tramitação?
Essa matéria
foi aprovada primeiro no Senado e depois foi para a Câmara. Cabe ao Senado, no
retorno da matéria, optar por aquilo que esta Casa votou — é assim que
determina o regimento — ou pela matéria que a outra Casa votou. Estamos
discutindo. Se houver esse entendimento final do texto entre Senado e Câmara,
podemos optar perfeitamente pela matéria aprovada na Câmara. Se não, podemos
optar pela matéria aprovada no Senado.
Está em
aberto ainda essa questão de qual texto terá prioridade...
Ainda não
foi votado na Câmara. Eu espero que a Câmara, como disse o presidente Rodrigo
Maia, agilize. Ele me disse que vai entregar ainda neste semestre, antes do
recesso parlamentar, para que a gente tenha condições de avaliar e votar o mais
rapidamente possível no Senado.
E dá para
mudar o sistema de voto a tempo? É a matéria que mais tem polêmica sempre.
Alguns partidos defendem a lista fechada, outros defendem sistema distrital,
distrital misto. Já há entendimento entre os partidos?
Neste
momento o que está se falando muito é o cham
ado voto distritão. Sinceramente,
acho que devíamos adotar de imediato o voto distrital misto, que acho que é o
melhor para a política brasileira. Mas temos que fazer uma transição. Nesse
caso podemos aprovar o distritão, que vai dar uma certa correção ao que temos
hoje, que é entregar aos mais votados o mandato eletivo. O sentimento da
população é que vai valer na questão do distritão, assim como no distrital
misto. Tem que prevalecer em uma democracia o desejo majoritário da população,
o que não acontece hoje.
O senhor
acha que o financiamento público de campanha continua?
Nós temos
que encontrar uma forma. Com o modelo que temos hoje, não há como se fazer
financiamento público de campanha. Com modelo adequado, com financiamento aos partidos
políticos, com acompanhamento, e talvez até com a distribuição desses recursos
feita pelo próprio TSE, aí tenhamos uma condição de uma eleição mais clara,
mais limpa, sem subterfúgios nem os chamados grupos ou direções partidárias
fazendo o comando e escolhendo aqueles nomes que melhor lhes convierem. A lista
é importante. Muitos países adotam lista. Mas neste primeiro momento acho que
teremos dificuldade de aprovar a lista. Meu sentimento é que nós vamos evoluir
para o distritão e na eleição de 2022, se Deus quiser, teremos uma eleição com
voto distrital misto.
Outras
matérias votadas pelo Senado neste semestre foram abuso autoridade e a PEC do
Foro Privilegiado.
Foram para a Câmara. Há um entendimento da Câmara para votar
essas matérias? Porque geralmente o que acontece é que o Senado vota e, lá na
Câmara, para.
Há um
entendimento na Câmara e um bom relacionamento entre os dois presidentes.
Matérias estão sendo discutidas e estão sendo votadas. Eu recebi aqui o
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que me trouxe a matéria do abuso
de autoridade. Então, ninguém vai defender abuso de autoridade, nem o
Ministério Público, nem nós. Esse é um tema que já está na Câmara e que foi
discutido inclusive com outros Poderes, e inclusive com o Ministério Público,
para que a gente pudesse aprovar no Senado. Houve um amplo debate. Já o fim do
foro privilegiado era um desejo da sociedade brasileira. Temos cerca de 38 mil
brasileiros com prerrogativa de foro e as pessoas imaginavam que só quem tinha
foro no Supremo eram deputados e senadores. Não. Do presidente da República a
um juiz de direito, a um promotor, todos têm prerrogativa de foro... Aprovamos
a unanimidade e encaminhamos à Câmara. Não tenho dúvida de que a Câmara dos
Deputados vai aprovar essa matéria, porque ela representou o sentimento unânime
aqui do Senado e representa hoje o sentimento quase unânime, acredito, da
população brasileira.
A PEC da
Vaquejada foi aprovada no Senado neste semestre, e o Supremo havia declarado a
vaquejada inconstitucional. Houve negociação do Congresso com o Supremo nessa
matéria?
Para ser
sincero, acho que a gente precisa acabar com os preconceitos no Brasil. A
vaquejada é uma tradição secular. Enquanto diziam que havia maus-tratos aos
animais em uma corrida de apenas 100 metros com um colchão de areia de cerca de
40 cm, com rabo artificial no boi, para não judiar do animal, outro esporte,
digamos, elitista — e é um esporte importante — como o hipismo não maltratava o
cavalo, o rodeio que amarra o boi pela cintura não maltratava o boi. Mas no
Nordeste os vaqueiros estavam impedidos por essa decisão. O que fizemos?
Alteramos a Constituição para não permitir maus-tratos, proteger os animais que
estão à disposição da vaquejada, preservar uma cultura que é secular no Nordeste
e preservar também 723 mil empregos que essa atividade gera. Há homens que
vivem exclusivamente da ferradura de animais. Eu vi um cidadão questionando
sobre como iria sustentar a família: “Tenho cinco filhos, não sei como vou
sustentar minha família, porque desde criança aprendi com meu pai a ferrar
animais e eu não sei fazer outra coisa. A extinção da vaquejada é a extinção do
meu trabalho, da minha dignidade”. Aquilo, sinceramente, me sensibilizou, e
tive o privilégio de promulgar algo que estava gerando mais de 700 mil
empregos, uma tradição do Nordeste, da sua cultura, da sua gente, e preservando
o direito de não maltratar animais. Como dizia Euclides da Cunha, o nordestino
é antes de tudo um forte, mas também um forte crédulo, alguém que acredita em Deus
e tem esperança. Nós esperamos 150 anos pela transposição das águas do São
Francisco e tive o privilégio de assinar, com o ministro Helder Barbalho e com
o presidente [da República] em exercício, Rodrigo Maia, mais uma ação do
Congresso com o Poder Judiciário, através da ministra Cármen Lúcia, que liberou
essa importante obra, para que quatro estados nordestinos — Ceará, Pernambuco,
Rio Grande do Norte e Paraíba — pudessem receber as águas do Velho Chico. Foram
150 anos de espera que agora se tornam realidade. Se nós não trouxéssemos essas
águas do São Francisco, a partir de novembro não teríamos mais condições de
abastecimento de água para Fortaleza e para a região metropolitana, além de
beneficiar milhares de agricultores. Agora estamos numa nova luta, que é de
adiar o prazo de 2012 para 2016 da renegociação de dívidas de pequenos
agricultores do Nordeste brasileiro sacrificados junto ao Banco do Nordeste.