sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Muro de Israel eleva tensão na terra onde nasceu Jesus

Cristãos e palestinos condenam obra, que divide área religiosa, histórica e ambiental



BEIT JALA, Cisjordânia - No Natal, na terra onde segundo a tradição nasceu Jesus, cresce a indignação pela retomada das obras do polêmico muro que divide uma região sagrada para os cristãos. Com o aval da Justiça israelense, o Ministério da Defesa enviou maquinaria pesada para derrubar oliveiras centenárias e continuar a erguer a separação de concreto nas terras entre Jerusalém e Belém, na Cisjordânia. O governo israelense alega que o motivo é segurança. Mas o muro no Vale de Cremisan divide o pequeno município palestino de Beit Jala, separa igrejas e mosteiros, surpreende turistas e deixa agricultores desolados ao eliminar seu modo de vida.

Interrompida várias vezes ao longo da última década por ações na Justiça, a construção foi retomada pelo Ministério da Defesa de Israel após receber autorização de sua Suprema Corte.

O Vale de Cremisan fica na região rural de Belém e é considerado uma das mais belas paisagens da Terra Santa. Seus moradores, quase todos cristãos, vivem do cultivo de oliveiras e vinhedos.
O muro divide o vale em dois. O mosteiro e o Convento de Cremisan, salesiano, ficariam na parte palestina. Mas algumas das famílias palestinas de Beit Jala veriam suas terras ficarem do lado israelense da muralha de concreto.

O ministério diz que o muro é necessário para a segurança:

— Ele está sendo construído somente dentro de Israel, de Jerusalém — afirma Arielle Hefez, a porta-voz do Ministério da Defesa.

De acordo com ela, o ministério cumpre a decisão da Suprema Corte. A porta-voz garante que o muro de concreto não vai alterar a vida dos moradores e de visitantes.
— Ele não vai impedir o livre acesso às terras e aos mosteiros. Não são verdadeiras as afirmações contrárias — diz ela.

A construção havia sido interrompida na Páscoa, por uma ação na Justiça, mas foi retomada recentemente. O prefeito de Beit Jala, Nicolas Khamis, afirma que as 58 famílias cristãs do Vale de Cremisan estão desoladas.

— Receber essa notícia perto do Natal foi uma desgraça para nós. Escavadoras israelenses já chegaram e arrancaram nossas oliveiras — lamenta o prefeito.
Em abril, o Supremo havia aceitado uma ação contra a construção e pediu então às autoridades israelenses para “considerarem outras opções". Mas, em agosto, a corte resolveu aceitar as alegações do governo, para desespero dos locais.
Polêmica. A parte do muro que se ergue sobre o Vale de Cremisan, nas cercanias da cidade de Belém, na Cisjordânia Cristãos podem ir embora.



O muro ameaça acentuar o êxodo de cristãos de Belém, provocado por dificuldades políticas e econômicas. Dos cinco milhões de palestinos, apenas cerca de 50 mil são cristãos. Khamis já perdeu a esperança:

— O problema é que nem consigo conversar com os prefeitos dos municípios vizinhos, como Jerusalém. Não há diálogo. As normas vêm prontas de Israel para os palestinos.
Ele diz que a verdadeira razão do muro é promover uma ligação segura entre os assentamentos israelenses de Gilo e Har Gilo.

— Estes assentamentos são ilegais, segundo as leis internacionais — destaca o prefeito.

Ele acrescenta que o muro fica no território delimitado como sendo palestino:
— A explicação de Israel é que pedras poderão ser arremessadas do território palestino por militantes em direção aos assentamentos israelenses. Eu, como empresário profissional, fora da minha posição de prefeito, tenho um bom relacionamento com empresários israelenses. Eles também discordam em relação à construção do muro. O problema é que não podemos fazer nada para mudar a lei.

O padre Jamal Kader é reitor do Seminário de Jerusalém, que atende a toda a Terra Santa. Ele só vê problemas à frente, à medida que a obra avança:

— Esse muro ocupa terras de Beit Jala e vai circundar os arredores de Belém. Será, na verdade, uma prisão, uma grande prisão. Privará as pessoas das suas terras e bloqueará o acesso a áreas verdes. Famílias perderão os terrenos de onde tiram seu sustento.
Kader não desistiu de lutar contra a obra.

— Vamos voltar a recorrer à Suprema Corte israelense. Ressaltar que só vai agravar os problemas políticos.

Ele diz que os cristãos palestinos também têm mobilizado bispos de vários países, como o Brasil, para aumentar a pressão internacional contra a construção:
— Este é um grande crime contra a população da cidade de Jesus, Belém.

O que pode ser feito de Beit Jala? -

Até agora, porém, protestos de Igrejas cristãs estrangeiras têm sido ignorados por Israel. Conferências Nacionais de Bispos de diversos países e comunidades cristãs, como a Sociedade de Santo Ivo, apelaram contra a construção do muro. Até o Papa Francisco pediu ao premier israelense, Benjamin Netanyahu, para deter a obra. Mas ela continua.

Fatma Mansour, de 82 anos, que nasceu e passou toda a vida em Belém, não se conforma com o fato de que as oliveiras, símbolos da região, sejam destruídas.
— Onde havia oliveiras, há lama. O impacto não é só para a História e a religião, mas é também ecológico, porque esta região é a mais verde do distrito de Belém. O muro é considerado por nós, cristãos da Terra Santa, uma tragédia para a comunidade cristã do mundo inteiro — frisa ela.

O advogado que entrou com uma nova ação na Justiça, Raffoul Rofa, da Sociedade de Santo Ivo e do Centro Católico para os Direitos Humanos, acredita que mais cristãos irão embora.

— A maioria tem parentes em outros países e planeja sair um dia. Há alguns anos, tínhamos 20% da população da Cisjordânia formada por cristãos. Hoje, somos um pouco mais de 1% — lamenta Rofa.

Missas de protesto

As terras do vale pertencem a 58 famílias cristãs e à Igreja Católica. Missas semanais ao ar livre são celebradas no lugar onde avança o muro. E dão prosseguimento à série de protestos que a comunidade cristã tem realizado nos últimos anos.

Na semana do Natal, a notícia de que um muro partirá o vale surpreendeu turistas.

— É uma história que os cristãos não queriam ter que ouvir em pleno Natal ou em qualquer época do ano — lamenta a turista colombiana Alexis Maria Vélez, que é evangélica.

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