sábado, 24 de dezembro de 2016

Donald Trump, um populista imprevisível na Casa Branca

 Escolhido personagem mundial pela Pesquisa GDA, o magnata imobiliário que derrotou o establishment político americano promete exercer a Presidência da maior potência global com o mesmo estilo que o levou ao degrau mais alto do poder

Foto: Francisco Javier Olea, El Mercurio/GDA

NOVA YORK - Imprevisível, polêmico, com ataques à política tradicional dos Estados Unidos, por momentos escandalosos e, para alguns, aterrorizantes. O estilo da campanha presidencial de Donald J. Trump, o magnata que fez o establishment de Washington se ajoelhar, impregnará agora a Casa Branca.

O triunfo de Trump nas eleições americanas abriu uma nova era que despertou esperança e entusiasmo entre seus seguidores, os “homens e mulheres esquecidos” do país, como foram chamados pelo bilionário em seu discurso em Nova York na noite de 8 de novembro, após ser eleito. Mas também provocou pânico e inquietação entre seus detratores.

O republicano conquistou a Casa Branca, mas perdeu no voto popular. Alguns esperam que mantenha seu estilo e promessas; outros, que se torne mais moderado. Desde que se converteu em presidente eleito, o homem que comandará a primeira potência global mostrou duas faces, os “dois Trumps”.

Ele moderou o tom de algumas de suas promessas de campanha e mostrou jogo de cintura ao escolher seu Gabinete, enviando sinais amistosos à sua coalizão — incluindo a extrema-direita —, mas também a Wall Street, às Forças Armadas e ao establishment republicano, que desprezou durante a campanha e com o qual se mostra agora unido para governar. Enterrou também seu enfrentamento com Hillary Clinton, quem havia ameaçado prender.

Mas Trump, como presidente eleito, continuou com seus ataques no Twitter (do “New York Times” ao elenco de “Hamilton” na Broadway e a Alec Baldwin, que faz uma paródia sua no programa “Saturday Night Life”), deu novas declarações falsas (“milhões de pessoas votaram ilegalmente nesta eleição”, disse, sem fornecer provas ou detalhes), passou por cima esquemas diplomáticos da política exterior dos EUA (a filha Ivanka participou de seu primeiro encontro encontro bilateral, com o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe), e sua família e seus negócios ficaram envolvidos na transição de comando, criando conflitos de interesses sem precedentes.

— Creio que pode ser uma época muito instável, devido ao que Trump é e à campanha que comandou. É um momento de incerteza fundamental — resumiu Julian Zelizer, historiador e professor da Universidade de Princeton.

SEM FOCO NA AMÉRICA LATINA

Zelizer vê uma continuidade da campanha de Trump à Casa Branca: o temperamento volátil e o uso explosivo do Twitter; a presença da supremacia branca; a linha-dura contra muçulmanos, imigrantes e o acordo de livre comércio; e as contradições entre suas ações e suas declarações.

Os Estados Unidos se preparam para sentir na própria carne o populismo, liderados por um presidente narcisista, famoso por sua escassa capacidade de concentração e sem experiência na burocracia de Washington.
— Vamos ter que nos acostumar com um presidente que põe e tira temas na conversa com relativa facilidade e fluidez, sem sentir que sua palavra não vale. É uma nova forma de governar, suspeito que muito tensa, porque ninguém pode prever nada — analisou Peter Schechter, diretor do Centro para América Latina Adrienne Arsht do Conselho Atlântico.

Schechter vê um presidente pragmático que não está “casado com princípios a não ser obter resultados e acordos”.

Trump já moderou sua dura retórica sobre mudanças climáticas (o que havia chamado durante a campanha de “uma farsa da China”); sobre o muro na fronteira com o México (disse que parte dele pode ser uma cerca); as deportações de imigrantes ilegais (restringidas agora aos que tenham antecedentes criminais); e a reforma de saúde de Barack Obama, conhecida como Obamacare.

Manteve, por enquanto, a promessa de retirar os EUA do Acordo Transpacífico (TPP, na sigla em inglês), renegociar o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA) com México e Canadá, e cortar regulações e impostos a empresas.
Schechter acredita que a América Latina vá ser relegada de novo a uma região de pouca importância na política externa dos EUA. Ele enumerou três exceções: México, América Central (devido à imigração) e Cuba. Outros analistas acreditam que a indiferença pode ser benéfica para a região.

— O melhor cenário é uma relação fria e distante — indicou Juan Carlos Hidalgo, analista do Instituto Cato, um centro de estudos libertário de Washington. — Dada à enorme percepção negativa de Trump na América Latina, seria muito imprudente do ponto de vista político que um presidente da região busque uma aproximação. O pior cenário é se Trump cumprir suas promessas quanto ao muro, a renegociar o NAFTA e reverter a aproximação com Cuba. A figura de Trump poderia dar um novo fôlego aos populistas da região, semelhante ao papel desempenhado por George W. Bush em sua época.

Hidalgo antecipa uma presidência com muitos escândalos, que vão gerar instabilidade dentro e fora dos EUA. Ele teme que o poder do Salão Oval “agrave as patologias” de Trump, e duvida sobre qual será o alcance de seu populismo: embora tenha poder, a maioria dos americanos não votou nele.

— Vemos o mesmo Trump errático, irascível e imprevisível da campanha — resumiu, ao falar da transição.
Shannon O’Neil, especialista em América Latina do Council on Foreign Relations, também observa “negligências” em relação à região, que poderiam chegar a ser “uma negligência benéfica”.

— É uma região muito mais aberta, economicamente sólida e pragmática, capaz de se comprometer em nível mundial. Não necessariamente necessita dos EUA — observou O’Neil. 

— É possível que um governo americano que não esteja interessado na região, ou que suas prioridades estejam em outros lugares, abra espaço para que a nova liderança na América Latina tenha uma visão abrangente e busque aliados no mundo. Pode proporcionar certa liberdade para formar novos vínculos e conexões.


O’Neil também destacou duas exceções: México, um país que se prepara para uma relação mais tensa com os EUA, e Cuba, onde a pergunta é quanto sobrará da abertura proporcionada por Obama.

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