Ministro é o
atual relator do processo no STF

BRASÍLIA -
Um ano após as prisões dos mensaleiros, o ministro Luís Roberto Barroso, atual
relator do processo no STF, avalia que o julgamento foi um marco contra a
impunidade, mas admite que a concessão de benefícios aos condenados reforçou a
sensação de impunidade. Destaca, porém, que é preciso cumprir a lei.
O julgamento
do mensalão foi visto como um marco contra a impunidade. Um ano depois das
prisões, é possível ratificar esse entendimento?
Sem dúvida.
O sistema punitivo brasileiro reforça as desigualdades de classe que marcam a
formação nacional desde sempre. O Direito Penal é duro com os pobres e manso
com os ricos. É muito mais fácil punir um jovem preso com cem gramas de maconha
do que um agente público ou um empresário que comete uma fraude de um milhão.
Nesse sentido, é fora de dúvida que o julgamento da ação penal foi um marco
contra a impunidade.
Um ano
depois, pode-se dizer que o julgamento do mensalão mudou a forma como o Supremo
Tribunal Federal (STF) lida com ações penais e com casos de corrupção?
Penso que
sim. A verdade é que a sociedade em geral passou a ser menos tolerante com
certas condutas dos agentes públicos e de empresários. E o STF tem uma
tendência natural de se alinhar com o sentimento social.
De modo que eu espero
que se tenha, sim, iniciado uma fase de maior rigor com comportamentos que
envolvam malversação de dinheiro público, corrupção e improbidade. Em favor do
STF, é possível afirmar que poucos países do mundo foram capazes de condenar e
prender o presidente do partido político que se encontrava no poder e seu
ministro mais influente. Uma demonstração notável de integridade e
independência.
Há a
impressão de que a prisão domiciliar para parte dos condenados veio cedo, com
menos de um ano de pena. Mesmo seguindo todos os trâmites legais, isso pode
reforçar a sensação de impunidade?
Eu,
geralmente, só aceito dar entrevista quando acho que há alguma questão
relevante a ser trazida ao debate público. E essa questão está refletida na sua
pergunta. O país tem um sistema punitivo definido pela legislação. Essa
legislação é mais branda do que a de muitos países do mundo. Há dois pontos
relevantes aqui.
De acordo com a lei, a execução das penas se dá em três
regimes: fechado, que é cumprido em penitenciárias; semiaberto, em colônias
agrícolas ou industriais; e aberto, que deve ser cumprido em casa de albergado.
Depois de cumprir um sexto da pena, o condenado tem o direito de progredir de
um regime para o outro. O que tem acontecido entre nós? Quando o preso progride
para o regime aberto, ele deve passar para uma casa de albergado. Como
praticamente não existem estes estabelecimentos, a jurisprudência antiga e
pacífica é que eles devem, então, passar para a prisão domiciliar.
Mas isso não
reforça a sensação de impunidade?
Sem dúvida.
Por essa razão, eu estou compartilhando essas informações, para que a sociedade
brasileira entenda como funciona o sistema, discuta a respeito e decida se quer
modificá-lo. Não há decisões politicamente fáceis nem moralmente baratas aqui.
O sistema acelera a progressão de regime, dentre outras razões, porque não há
vagas nele. Há um déficit de cerca de 250 mil vagas no sistema penitenciário.
Para ter um sistema penal que satisfaça as demandas razoáveis da sociedade, é
preciso investir recursos na construção dos estabelecimentos próprios,
inclusive aumentando o número de vagas. O problema é que o dinheiro que vai
para o sistema penitenciário deixa de ir para educação, saúde, saneamento,
rodovias, previdência etc. Ou seja: toda sociedade acaba tendo de fazer
escolhas, escolhas que por vezes são trágicas.
E como o
senhor se sente diante desse sistema?
Eu cumpro a
lei. A lei é que materializa essas escolhas da sociedade. Em uma democracia,
não existe, de um lado, a sociedade civil, e de outro, o Estado. O Estado é o
que a sociedade e os seus agentes eleitos constroem. A única coisa que um juiz
não pode fazer é tratar de maneira discriminatória o condenado que a sociedade
odeia. Juízes não são vingadores mascarados. Fazer justiça é aplicar a lei com
imparcialidade, sem paixões, sem ódios ou espírito de vingança. É justamente
quando esses sentimentos afloram na sociedade que você precisa de um juiz
corajoso para fazer o que é certo. Eu tenho deveres para com a Constituição, o
bem e a Justiça. O sentimento da sociedade não me é indiferente, e eu o levo em
conta. Mas sirvo à Justiça, e não à opinião pública. Um juiz digno desse nome
não joga para a plateia.
As penas
impostas aos políticos foram, em geral, mais baixas que as impostas aos
empresários e executivos. Tanto que alguns políticos já conseguiram fazer
progressão de regime, e os empresários e executivos, não. Houve alguma
desproporção na punição?
Isso se
deveu à própria dinâmica dos fatos e ao número de delitos cometidos por cada um
dos réus. Os políticos mais conhecidos foram condenados por corrupção ativa,
que à época era punido com penas de um a oito anos. Alguns foram condenados por
corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Basicamente, uns compraram e outros
venderam votos. Já quanto aos empresários, diversos deles foram condenados por
uma cumulação de crimes, que incluíram peculato, corrupção ativa, lavagem de
dinheiro, gestão fraudulenta de instituições financeiras e evasão de divisas.
Com a
discussão em torno da punição de poderosos e sua ida para a prisão, foi
possível observar alguma melhora na discussão da condições do sistema
carcerário brasileiro?
Se há uma
unanimidade no país, é que o sistema penitenciário se encontra degradado. Eu,
antes de ir para o STF, propunha, como advogado, ações para discutir questões
de interesse público, como uniões homoafetivas, proibição de nepotismo e
direito das mulheres interromperem a gestação em certos casos. Pois bem: no
momento em que a presidenta (Dilma Rousseff) indicou o meu nome, eu estava
começando a estudar a propositura de ações para a reestruturação do sistema
penitenciário. Como os condenados e presos em geral fazem parte de uma minoria
invisível, a política majoritária não se interessa por eles. Por isso, terá de
ser o Judiciário a indicar esse caminho. Acho que a AP 470 (mensalão) deu
visibilidade maior a essa questão. Não houve melhora ainda. Mas já há a
percepção de que esse é um tema que tem que entrar na agenda do país.
Qual a sua
avaliação final de tudo o que aconteceu?
Uma coisa me
chamou particular atenção neste caso. Nenhum dos condenados, em momento algum,
revelou arrependimento, culpa sincera ou achou que devia desculpas ao país. A
impressão que eu tenho é que todos, estranhamente, se sentem vítimas do sistema
político. “Era assim antes de nós, nós jogamos o jogo como era jogado e depois
de nós continuou a ser a mesma coisa”. E o que é aterrador é que talvez tenham
uma certa razão. Se não mudarmos o sistema político, sobretudo para baratear o
processo eleitoral, o financiamento de campanhas continuará por trás de todos
os escândalos do país. Não sairemos do pântano. A centralidade do dinheiro nos
roubou o idealismo e o senso de patriotismo.
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