
SÃO PAULO e
CUIABÁ - A crise nas contas públicas que leva o governo a promover o ajuste
fiscal já afeta obras de infraestrutura em todo o país. Ao menos 15 rodovias
federais tiveram serviços de duplicação e construção paralisados nos últimos
dois meses, segundo levantamento feito pelo GLOBO com empresas contratadas para
executar esses trabalhos, associações que representam empresários do setor e
sindicatos de trabalhadores da construção pesada. A situação pode piorar ao
longo do ano, já que o corte de gastos anunciado pelo governo na semana passada
atingiu 36% do orçamento do Ministério dos Transportes.
Vinculado à
pasta, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) admite
que deve R$ 1,5 bilhão a várias empreiteiras responsáveis por obras em
estradas. O atraso no pagamento começou ainda em novembro, dizem empresários.
No primeiro trimestre deste ano, a justificativa era o contingenciamento das
verbas do ministério enquanto o Orçamento de 2015 não era aprovado no
Congresso. Nos meses seguintes, passou a ser a expectativa de definição do
corte parra compor o ajuste fiscal. Agora, a pasta pretende definir, até o fim
deste mês, como vai utilizar os recursos disponíveis para pagar os atrasados.
Só então será possível identificar como isso vai afetar o cronograma das obras.
Sem receber
do governo federal, algumas empreiteiras reduziram o ritmo dos trabalhos para
manter os canteiros de obra funcionando apenas com recursos próprios. Outras
empresas ficaram sem caixa e resolveram interromper a movimentação de máquinas
e trabalhadores até que os pagamentos sejam regularizados. Só no Rio Grande do
Sul, que tem três obras do Dnit inconclusas, estima-se que 4 mil operários da
construção pesada foram demitidos desde o início do ano. O setor emprega 18 mil
funcionários no estado, segundo Isabelino dos Santos, presidente do sindicato
da categoria. Em Rondônia, estado com duas obras na lista de atrasos, o
sindicato estima que 500 postos de trabalho têm sido fechados por mês desde
janeiro.
ATRASO NO MT ATRAPALHA PRODUÇÃO
AGRÍCOLA
No Rio
Grande do Sul, dos nove lotes em que foi dividida a duplicação da BR-116, entre
Pelotas e Guaíba, quatro estão paralisados, diz Nelson Sperb Neto, presidente
do Sindicato da Indústria da Construção de Estradas, Pavimentação e Obras de
Terraplenagem do estado e dono de uma empreiteira contratada para trabalhar na
obra. A duplicação de outra estrada, a BR-290, na região de Eldorado do Sul,
também está paralisada. Mesmo assim, segundo ele, os contratos não são
rescindidos porque o setor depende da verba governamental.
— Mesmo as
empresas que estão sem receber preferem não rescindir o contrato, porque correm
o risco de ficar sem nada. Enquanto isso, continua morrendo gente nessas
estradas de pistas simples, e o gasto do transporte fica caro, o que tem
impacto nos produtos — diz Sperb Neto.
Principal
obra rodoviária do Mato Grosso, a duplicação da BR-163, que, em alguns trechos
sobrepõe o traçado da BR-364, também parou. A obra ajudaria no escoamento da
produção agrícola do Mato Grosso, maior produtor nacional de soja, algodão e
carne. No trecho entre Cuiabá e Rondonópolis, os trabalhos estão paralisados
desde o final de 2014 sem os repasses.
— Essa
situação deixou os empresários numa condição alarmante e colocou os
trabalhadores em risco. Várias empresas estão passando por dificuldade
financeira. Quem precisou comprar maquinário para fazer o serviço está tendo
que devolver os equipamentos, porque não tem como pagar — afirma Alexandre
Schutze, presidente do sindicato patronal do Mato Grosso.
Devido ao
atraso, o motorista que passa pela BR-163 pode enfrentar uma situação curiosa:
pagar pedágio sem que a duplicação tenha sido concluída. Por contrato, a
concessionária Rota do Oeste poderá iniciar a arrecadação tão logo duplique 10%
dos 453,6 quilômetros sob sua responsabilidade, independentemente de quanto o
Dnit executou dos 281 quilômetros de pista que lhe caberia fazer.
A retomada
das obras nos trechos paralisados ainda é incerta, e o problema pode se repetir
em outros locais. Ao anunciar o corte no Orçamento, na semana passada, o
ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, disse que o Ministério dos
Transportes teria dinheiro suficiente para tocar 14 obras prioritárias e outras
13 do Dnit. A soma é menor que o total de 54 obras em rodovias federais que
tiveram verba empenhada no orçamento da pasta em 2014. Ou seja: nem todas terão
pagamento assegurado.
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