RIO — O procurador da República Eduardo El Hage defendeu
que as autoridades vão provar até o fim do ano que o ex-governador do Rio
Sérgio Cabral "roubou em todas as áreas" do governo. Segundo ele, o
esquema desmontado nesta terça-feira com a operação "Fatura Exposta"
é "apenas uma perna" do "crime que se alastrou" pelo
estado. Só nestas fraudes, segundo a PF, o político recebeu ao menos R$ 16,4
milhões.
A versão da Lava-Jato no Rio chegou
à área da saúde pública e prendeu nesta manhã o ex-secretário Sérgio Côrtes.
A ação, que revelou um dos mais profundos e duradouros golpes no setor, também
levou à prisão os empresários Miguel Iskin, presidente da Oscar Iskin, e seu
sócio Gustavo Estellita Cavalcanti Pessoa. A investigação se valeu da delação
premiada do advogado Cesar Romero Vianna e de registros da contabilidade de
propinas do operador financeiro Luiz Carlos Bezerra.
A investigação, ainda em curso, focou em fraudes de
licitações de próteses e aparelhos médicos. Mesmo sem a identificação completa
de partícipes e empresas envolvidas no esquema, a força-tarefa decidiu
deflagrar a operação porque há contratos vigentes no estado indicativos de uma
corrupção "mais do que nunca" atuante no Rio.
— O que nós sustentamos, e há quase flagrante delito, é
que equipes da Oscar Iskin e da Levfort continuam em contratos com o governo,
com OSs do governo e com o governo federal. Mais do que nunca, a corrupção
ocorre agora. Vamos chegar aos agentes públicos envolvidos, mas isso é
continuidade da investigação — explicou o procurador Rodrigo Timóteo.
O esquema, segundo os procuradores, envolvia companhias
multinacionais, cujas representações no Brasil foram intimadas a prestar
esclarecimentos. Os agentes suspeitam que empresas tenham formado um cartel e
se revezado a ganhar licitações da Secretaria Estadual de Saúde. O esquema
serviu não só para licitações do Instituto Nacional de Traumatologia e
Ortopedia (Into), mas também para aparelhar unidades médicas Brasil afora por
meio do Projeto Suporte. A força-tarefa vai acionar órgãos internacionais.
Em entrevista coletiva, os investigadores ressaltaram que
a organização criminosa atua desde 2002, de forma mais incisiva a partir de
2007, quando Sérgio Cabral ascendeu ao governo do estado. No poder, Cabral
"adotou procedimentos de direcionar licitações para o grupo de Iskin e
Estellita" em troca de propina.
No esquema, Sérgio Cabral recebia 5%; Sérgio Côrtes, 2%;
e Cesar Romero Vianna, 1%. Havia ainda 1% destinado a alimentar o esquema,
segundo os procuradores, revertido a funcionários subornados na secretaria, e
1% voltado a alguém do Tribunal de Contas do Estado — cujos nome e função o
delator não soube identificar.
Ex-secretário da Saúde, Sérgio Côrtes vai responder por
corrupção, organização criminosa, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça.
Ele foi gravado por um delator do esquema enquanto tentava combinar versões e
ressaltava que partes do esquema deixaria de fora de uma eventual colaboração
premiada sua.
— O colaborador decidiu passar informações de dentro da
secretaria. De alguma forma, Sérgio Côrtes identificou que o esquema estava se
desmantelando, procurou o colaborador e tentar embaraçar as investigações,
evitar que a delação fosse completa. Já havia acordo de confidencialidade, e
ele propõs que os dois combinassem versões de delação premiada — explicou El
Hage, segundo quem o ex-secretário até ofereceu pagar pela defesa de Romero
Vianna para dissuadi-lo a delatar.
A investigação continua. Segundo o procurador Timóteo,
ainda é preciso rastrear pagamentos feitos no exterior. Miguel Iskin repatriou
R$ 70 milhões depositados nas Ilhas Virgens Britânicas, o que indicou à
força-tarefa que havia repasse em contas não declaradas em bancos estrangeiros.
O empresário alegava que o dinheiro era fruto de comissões internacionais. Mas
os agentes consideram que os recursos corroboram com a delação de Romero Vianna
e evidenciam o superfaturamento nas licitações.
— Apesar da organização se utilizar de técnicas de
criptografia, técnicas sofisticadas, pelo menos ele (Luiz Carlos Bezerra) fazia
anotações e enviava e-mails para si próprio com toda a contabilidade (do
esquema). Lá, ele discriminava a propina de cada setor do governo. É uma
investigação complexa, o prejuízo pode ser bem maior — ressaltou El Hage.
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