Há 45 anos,
governos antidemocráticos de Portugal e Brasil uniram-se para transformar vinda
dos despojos do imperador em em celebração de cunho nacionalista
No período mais duro da ditadura militar, o governo chefiado pelo general Emílio Garrastazu Médici não poupou esforços para transformar as comemorações dos 150 anos da Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1972, numa enorme celebração de cunho nacionalista. Na época, Portugal também vivia sob uma ditadura, tendo à frente o premier Marcello Caetano, herdeiro político de Antonio Salazar (que comandara o país de 1932 a 1968). Um evento como esse interessava aos dois governos.
A abertura oficial das celebrações do
Sesquicentenário da Independência só aconteceria em 22 de abril, dia
comemorativo do Descobrimento, mas um evento 12 dias antes, na cidade do Porto,
marcou o início do traslado dos restos mortais de D. Pedro I, que só chegariam
ao seu destino final, São Paulo, quase cinco meses mais tarde, após longa
peregrinação pelas capitais brasileiras.
Após a
cerimônia, presenciada por apenas 50 pessoas, entre as quais o embaixador do
Brasil em Lisboa, Luís Antônio da Gama e Silva, e membros da família real, os
despojos do imperador deixaram Portugal em um navio com destino ao Rio. A bordo
estava o presidente português Américo Thomaz, que tinha a missão simbólica de
entregar os restos mortais ao presidente do Brasil no dia do Descobrimento.
D. Pedro I
(Pedro IV em Portugal) havia morrido em 1834, no Porto, e seu coração fora
doado, em testamento, à Igreja da Lapa, na mesma cidade. Seguindo um cronograma
carregado de simbologias e pensado para exaltar o nacionalismo brasileiro, o
regime militar organizou um roteiro no qual os pontos altos eram as duas
grandes datas nacionais. A urna contendo os despojos foi desembarcada no
ancoradouro do Morro da Viúva e conduzida em cortejo num carro de combate do
Exército até o Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, no Aterro do
Flamengo, onde foi entregue a Médici por Américo Thomaz, em cerimônia
acompanhada por cerca de 10 mil pessoas e televisionada para todo o país.
Para o
presidente Médici, em seu discurso publicado na edição do GLOBO de 24 de abril
de 1972, “o gesto fraterno, raro e generoso de Portugal, ao doar ao Brasil os
restos mortais de D. Pedro I, exprime a certeza de que são permanentes e
inquebrantáveis os vínculos raciais, a comunhão de sentimentos, a afinidade de
espírito e a vocação cultural que unem nossos povos”.
No Rio, os
restos de D. Pedro ficaram expostos à visitação por três dias, conforme o
jornal publicou na capa da mesma edição: “A caminho do Museu Nacional, onde
ficará exposta à visitação pública, a urna com os despojos do Imperador Pedro I
passou diante da estátua de seu filho e sucessor, o Imperador Pedro II, na
Quinta da Boa Vista”, em São Cristóvão, antiga residência da família imperial.
Em seguida,
a urna deixou o Rio e seguiu para cada uma das capitais brasileiras, atraindo
dezenas de milhares de pessoas por onde passava. Até que, em 7 de setembro de
1972, chegou à sua última morada, a cripta da Capela Imperial, no Monumento à
Independência, criado em São Paulo em 1922 como parte das comemorações pelo
Centenário da Independência.
Não foi
feita a sepultura definitiva porque o caixão de pinho português era maior que o
sarcófago da capela do museu. Somente em 5 de setembro de 1976, conforme O
GLOBO noticiou, “os despojos do Imperador D. Pedro I foram colocados no seu
jazigo definitivo, ao lado da Imperatriz D. Leopoldina, em cerimônia realizada
na Capela Imperial do Monumento do Ipiranga, construída no sítio onde foi
proclamada a Independência do Brasil”.
Dom Pedro I
tornou-se imperador do Brasil em 12 de outubro de 1822, permanecendo no cargo
até 7 de abril de 1831, quando, em meio a crises no Brasil e em Portugal, ele
abdicou do império brasileiro em favor do filho Pedro II, voltando à Europa
para reconquistar o trono português, usurpado de sua filha Maria II por seu
irmão Miguel, apoiado por defensores do absolutismo. Poucos meses depois que
ele e os liberais venceram a disputa, Pedro morreu de tuberculose aos 36 anos,
em 24 de setembro de 1834, no Porto.
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