09/07/2012
08h07 - Atualizado em 09/07/2012 08h46
Separação
após referendo não melhorou relação entre países.
Brigas tribais, por petróleo e por demarcação de fronteiras continuam.
Brigas tribais, por petróleo e por demarcação de fronteiras continuam.

Há um ano,
um novo país surgia no mundo, e, com ele, a esperança de um futuro menos
violento e menos pobre para os africanos doSudão. Mas os dias passaram e a
vida não ficou mais fácil para quem vive no agora dividido território:
conflitos de fronteira, briga pelo petróleo, falta de serviços públicos que
funcionem e lutas tribais mostram que é preciso mais que um plebiscito para
reerguer uma região devastada pela mais longa guerra civil africana.
O Sudão do Sul virou
país em 9 de julho do ano passado, após uma votação nacional prevista no acordo
de paz que pôs fim à 21 anos de luta entre o governo do Sudão e os rebeldes do
Sul - uma guerra por questões religiosas, por poder político e pelo petróleo.
A nova nação
tem 10,6 milhões de habitantes (mais da metade com menos de 30 anos), um
Produto Interno Bruto ainda indefinido e um dos piores índices de pobreza do
mundo. Segundo a missão da ONU, 90% da população é considerada pobre, menos de
10% das crianças completam o primário, 92% das mulheres são analfabetas, uma em
cada sete crianças morre antes de completar um ano e 85% da população não tem
acesso a postos de saúde.
Além da
questão humanitária, outros problemas atravancam o desenvolvimento do Sudão do
Sul e podem agravar ainda mais a situação do mais novo país do mundo:
Deslocados e
refugiados
A guerra civil no Sudão matou 2 milhões de pessoas e forçou o deslocamento de 4 milhões, segundo a ONU. Sulistas que migraram para o norte e para países vizinhos começaram a voltar para suas cidades-natais em 2005, mas segundo a agência da ONU para refugiados, a Acnur, ainda hoje 209 mil sul-sudaneses continuam vivendo fora do país.

Refugiada em campo de Yida, no Sudão do Sul. Cerca de mil
refugiados chegam todos os dias no local, fugindo dos conflitos nas montanhas
de Nuba, na região sudanesa de Kordofan do Sul (Foto: Sally McMillan/MSF)
Em março
deste ano, líderes dos Sudões se encontraram para discutir um acordo chamado de
'Quatro liberdades', que daria direitos de livre trânsito, trabalho,
propriedade e residência a todos os sudaneses dos dois países. Mas as
negociações foram interrompidas no final, e Cartum anunciou que os
sul-sudaneses precisariam deixar o território do norte até abril deste ano. Por
pressão internacional, o país adiou o prazo para maio, e Juba se comprometeu a
investir para repatriar seus cidadãos.
Entre as
dificuldades para voltar, está o fato de que Cartum exige que os retornantes
tenham uma documentação de emergência emitida pela embaixada do Sudão do Sul em
Cartum, mas o processo é lento. Muitos sul-sudaneses no Sudão não têm certidão
de nascimento nem carteira de identidade.
Outro
problema que tem atingido o Sudão do Sul é uma onda de refugiados vindos do
Sudão devido a combates na fronteira.
A enfermeira
brasileira Ana Lúcia Bueno chegou na última quinta-feira de um desses campos,
onde trabalhou como coordenadora médica adjunta para a organização Médicos Sem
Fronteiras, por um mês e meio. Segundo ela, a situação é de emergência:
"Todos os dias chegam de 700 a mil pessoas.
O campo onde trabalhei agora,
em Yida, tem hoje 60 mil pessoas, e é um fluxo novo, então a estrutura está
sendo montada agora. A estação das chuvas agrava ainda mais a situação, pois as
estradas não são mais transitáveis. O que mais vemos é diarreia, infecção
respiratória e malária."

Crainça desnutrida aguarda com a mãe atendimento em hospital
dos Médicos Sem Fronteiras no campo de Jamam (Foto: Adriane Ohanesian/Reuters)
Lutas
tribais
A crise entre tribos rivais piora a situação da nova nação, que vive um clima de guerra iminente. Num dos episódios mais sangrentos desde a independência, sete mil jovens armados da tribo Lou Nuer atacaram aldeias pertencentes à tribo rival Murle, no estado de Jonglei, roubando dezenas de milhares de cabeças de gado e sequestrando mulheres e crianças.
Dezenas de
milhares fugiram das suas casas devido ao incidente, que matou 612 pessoas e
desencadeou uma onda de retaliações que provocou outras 276 mortes, segundo um
relatório da divisão de direitos humanos da Missão da ONU no Sudão do Sul.
Petróleo
O petróleo corresponde a 98% da receita pública do novo país. Mas toda a infraestrutura para sua comercialização está no vizinho - oleodutos, refinarias e portos do Mar Vermelho.
Sob o acordo
de paz, Cartum recebeu metade das receitas do petróleo que está no sul, uma vez
que as taxas de dutos e outros custos foram descontados. Mas em janeiro deste
ano as negociações foram substituídas pelo confronto. O Sul fechou sua produção
em protesto após Cartum confiscar o petróleo de Juba alegando que seria para
'compensar' o que chamou de 'taxas de trânsito não pagas'. Como resultado, o
Sul do Sudão passou a cortar gastos públicos. O Sudão também teve de introduzir
medidas de austeridade, provocando protestos.

Salva Kiir, presidente da República do Sudão do Sul, mostra
no dia da independência, em 2011, a Constituição assinada do novo país (Foto:
Roberto Schmidt/AFP)
Demarcação
da fronteira
De acordo com o pesquisador do Instituto Brookings e professor de economia da Weber State University (EUA) John Mukum Mbaku, em entrevista ao G1, "atualmente, as relações do Sul do Sudão com a República do Sudão não são boas e continuam a se deteriorar. Isso se deve, principalmente, ao fato de que o Sul ganhou a independência sem resolver totalmente certos problemas internos e com a República do Sudão."
Segundo a
comparação feita num relatório do Instituto Brookings sobre o um ano de
independência, a separação foi "como um divórcio que é apressado antes que
as partes tenham concordado em como dividir as propriedades, como rever os
débitos e como criar as crianças".
A demarcação
de 2 mil km de fronteiras ainda não foi resolvida. Em junho de 2011, ambos os
lados concordaram em formar uma zona desmilitarizada, monitorada por forças de
paz internacionais e observadores independentes. Em setembro, eles assinaram um
acordo de segurança na fronteira, estabelecendo equipes conjuntas apoiadas por
forças de paz da ONU para monitorar a zona em seus 10 pontos de passagem.
Mas os
pactos são difíceis de implementar devido ao desacordo constante sobre a
localização das fronteiras, em várias áreas-chave e de combates nas regiões.

Em imagem tirada em junho deste ano, homem mexe em seu
celular em um mercado de Pibor, no Sudão do Sul (Foto: Reuters)
O que foi
feito em um ano?
"Durante o primeiro ano de independência, o Sul do Sudão conseguiu formar um governo que funciona, que avançou até que bastante. Além de estabelecer uma constituição provisória, bem como o funcionamento dos ministérios e agências, que atualmente prestam serviços à população, o governo estabeleceu também missões diplomáticas em vários países, e continua a fazer progressos nos esforços para atender às necessidades das pessoas do Sul do Sudão. Talvez, mais importante, do ponto de vista da governança, o governo continua a garantir a liberdade de imprensa, e uma sociedade civil relativamente robusta está emergindo", opina o pesquisador africano John Mukum Mbaku.
Soluções
O Sudão do Sul é um grande receptor de doações da comunidade internacional. Segundo o relatório da Brookings, o total investido em 2010 foi de US$ 1,2 bilhão. Mas a fragmentação da doação e falta de coordenação são problemas que atrapalham a viabilização da ajuda.
O Sudão do Sul é um grande receptor de doações da comunidade internacional. Segundo o relatório da Brookings, o total investido em 2010 foi de US$ 1,2 bilhão. Mas a fragmentação da doação e falta de coordenação são problemas que atrapalham a viabilização da ajuda.
Além de
dinheiro, há outros meios de ajudar o novo país. "Há muitas coisas que a
comunidade internacional pode fazer para ajudar o Sul do Sudão em seus esforços
para construir uma nação viável e produtiva. Primeiro, a comunidade
internacional pode ajudar a resolver os problemas de fronteira com a República
do Sudão, fornecendo as facilidades que eles precisam para se engajar em
negociações pacíficas e produtivas", explica o professor Mbaku.
Outra forma
seria trabalhar no treinamento de pessoas: "alguns países vizinhos já
forneceram instrutores para ajudar o país a se capacitar na administração
pública. Este esforço deve ser intensificado com ênfase em ajudar o Sul do
Sudão a prestar serviços públicos com indivíduos qualificados, necessários para
operar um setor eficiente e produtivo."
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente esta matéria!