Apesar de
programa de saneamento, Baía de Guanabara recebe por segundo 18.400 litros de
esgoto não tratado

— Por causa
da lama, do esgoto e do lixo, só posso ir para o mar quando a maré enche. Antigamente,
Tubiacanga tinha areia branca, e eu tomava banho na praia — lembra.
AGÊNCIA
JAPONESA: PROGRAMA “INSASTIFATÓRIO”
O aposentado
é um dos 8,46 milhões de fluminenses que moram em áreas de 15 municípios no
entorno da bacia do que, há cinco séculos, se convencionou chamar Baía de
Guanabara. Decorridos 20 anos da assinatura dos contratos de financiamento do
maior programa de saneamento da baía, apenas um quarto do esgoto gerado por
moradores da região passa por tratamento em estações. A cada segundo, chegam ao
mar aproximadamente 18.400 litros de esgoto doméstico sem qualquer tratamento —
três vezes mais em relação à capacidade das oito estações construídas e
reformadas desde 1998. Os cálculos foram feitos, a pedido do GLOBO, pelo
engenheiro sanitarista Adacto Ottoni, consultor de Meio Ambiente do Conselho
Regional de Engenharia e Agronomia (Crea), a partir de dados do Plano Estadual
de Recursos Hídricos, da Cedae e de informações do engenheiro Francisco
Filardi, ex-assessor executivo do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara
(PDBG).
O GLOBO
inicia hoje uma série analisando duas décadas de PDBG, que consumiu R$ 2,79
bilhões de dinheiro público — em valores atualizados, segundo a Secretaria
estadual de Fazenda e incluindo os R$ 468,6 milhões ainda devidos aos
financiadores —, sem que nenhuma meta fosse cumprida, nem de percentual de
esgoto, nem de abastecimento de água ou de gestão de lixo. A principal delas
era tratar 58% do esgoto lançado na baía em 1999. Hoje, as estações que
deveriam aliviar o mar da carga orgânica operam, em média, com metade da
capacidade projetada. O programa, que atravessou sete governos, a partir da
gestão de Nilo Batista, ainda tira o sono de auditores da Japan International
Cooperation Agency (Jica), que financiou o projeto, junto com o Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID).
Em relatório
de junho de 2013, a Jica é contundente: classificou como “insatisfatório” o
programa, a pior entre as quatro graduações possíveis. Disse que “o volume de
redução de poluentes não ultrapassou 70% do nível planejado”. E que, apesar de
estações de tratamento secundário terem sido construídas, a quantidade de
esgoto tratado permaneceu em cerca de 30% do previsto. Em meio a renovações de
promessas visando aos Jogos de 2016, especialistas avaliam que o caminho para
uma baía — que vai sediar as competições de vela — mais limpa ainda é tortuoso.
— Em
saneamento, o Rio ainda está com os pés no século XIX — avalia a engenheira
química Dora Negreiros, presidente do Instituto Baía de Guanabara.
Arquiteto,
urbanista e um dos idealizadores do PDBG, Manuel Sanches acredita que a má
gestão dos recursos impediu que fossem alcançados os avanços esperados. Ele
observa, no entanto, que a situação seria “muito pior” sem os frágeis
resultados do PDBG:
— O programa
teve muitos defeitos, e o BID só autorizou a primeira etapa de quatro
previstas.
O Tribunal
de Contas do Estado (TCE) fez 42 inspeções no PDBG — a última em 2013.
Encontrou irregularidades abundantes, como “incompatibilidade entre serviços
estimados e executados”, “cronograma físico-financeiro desatualizado” e
“projeto básico inconsistente”. Numa inspeção em 2006, contabilizou 305
contratos vinculados ao programa. Do total, 268 haviam sido concluídos e 17,
rescindidos. Vinte ainda estavam em andamento.
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CEDAE DIZ
QUE TRATA 49,6% DO ESGOTO
A Cedae
contestou o cálculo do GLOBO. A empresa não informou o índice de esgoto gerado
e tratado, em 1994, pela população do entorno da bacia da baía. Quanto ao
tratamento atual, diz que alcança 49,6%. A companhia considera que são
despoluídos 9.862 dos 19.853 litros gerados por segundo. A empresa usa como
base a geração diária de 200 litros de esgoto per capita (a projeção usada pelo
técnico do Crea é de 250 litros) e inclui a parcela que vai para o emissário
submarino de Ipanema (3.300 litros por segundo). O estudo referendado pelo
Crea, porém, excluiu todos os moradores da Zona Sul atendidos pelo emissário,
que funciona desde 1977, só considerando, nas projeções de 1994 e 2014, a
população cujo esgoto segue para a baía.
O presidente
da Cedae, Wagner Victer, reconhece que o PDBG enfrentou erros primários, mas
alega que a gestão atual colocou em operação as estações de Alegria (2009),
Sarapuí (2011) e Pavuna (2014).
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