terça-feira, 10 de junho de 2014

Debatedores consideram analfabetismo violação a direito fundamental



A realidade do analfabetismo no Brasil, onde mais de 13,2 milhões de pessoas não sabem ler e escrever, foi discutida em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) nesta segunda-feira (9). Pelos registros apresentados, além dos analfabetos plenos, outros 40 milhões de brasileiros não chegaram a ultrapassar os quatro primeiros anos de estudo e permanecem analfabetos funcionais, de modo geral sem capacidade para interpretar um texto curto e simples.

Para os participantes da audiência pública, que analisaram o tema pela ótica dos direitos humanos, o analfabetismo representa a violação de um direito fundamental da pessoa num mundo que passou à "era do conhecimento". Isso porque, quando despojado de um padrão básico de formação, o indivíduo não reúne condições de acessar e exercer plenamente outros direitos fundamentais, inclusive deter informações para votar com consciência.
- Creio que o debate ajudou na ideia de criar um clima de indignação em relação ao quadro brasileiro vergonhoso do analfabetismo, que nos coloca entre os dez países com maior número de analfabetos no mundo – avaliou ao fim o senador Cristovam Buarque (PDT-DF).

Lei de Responsabilidade

O senador, que foi o propositor da audiência, falou de “indignação” assim que abriu os trabalhos. O sentimento foi compartilhado pelos convidados à audiência, de professores especialistas a representantes governamentais. Depois, a título de solução, houve apoio à ideia de uma “Lei de Responsabilidade Educacional”, já prevista em projeto legislativo do próprio Cristovam. Além de fixar compromissos para a erradicação do analfabetismo, o texto prevê punições administrativas para os gestores públicos que deixassem de fazer sua parte.

Aida Maria Monteiro Silva, do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, salientou que os direitos humanos são “indivisíveis e interdependentes”, não podendo haver supressão de qualquer um deles. Segundo ela, o analfabetismo é um fator de “vulnerabilidade”, que acaba deixando a pessoa “à margem das possibilidades” da vida social.
- A educação é bem social do qual não podemos abrir mão e seu objetivo não se reduz à formação de capital humano e da empregabilidade. Precisamos de educação que contribua para a formação da personalidade do ser humano com respeito aos direitos humanos e à democracia – defendeu.

Invisibilidade

Ex-reitor da Universidade Nacional de Brasília (UnB), o professor José Geraldo de Souza Júnior observou que o analfabetismo no país ainda se encontra num “campo de invisibilidade”, entre as situações “naturalizadas” e que não sensibilizam de forma mais contundente a sociedade. A seu ver, a explicação pode ser encontrada na própria história do país, que passou pela experiência colonial e a escravidão e chega aos tempos atuais sem transformar radicalmente o caráter excludente de suas estruturas.
Hoje coordenador do Núcleo de Estudos da Paz e Direitos Humanos da Universidade de Brasília da UnB, José Geraldo salientou, no entanto, que leis, ideologias e estruturas passam por permanente crítica e acabam absorvendo novas dimensões. A seu ver, o processo histórico está evoluindo para formas de integração, e não de exclusão. Segundo ele, importantes pensadores hoje apontam para um novo conceito de conceber o desenvolvimento, dentro de uma visão de liberdade e de afirmação de direitos.
- Isso significa eliminar os obstáculos à humanização do sujeito, como a fome, a falta de moradia, a discriminação social e racial e o analfabetismo – ressaltou.

Brasil Alfabetizado

Pelo Ministério da Educação, Mauro José da Silva, diretor de Políticas de Alfabetizações de Jovens e Adultos, disse que também se encontra na mesma posição dos “indignados”. Depois, salientou que a pasta da Educação vem tentando conduzir da forma mais adequada possível soluções para o desafio do analfabetismo, por meio do programa Brasil Alfabetizado. Apesar das dificuldades, ele disse que o programa vem sendo reconhecido como referência mundial.
Mauro da Silva afirmou que o país já conta com boas leis e estudos a respeito do problema. No entanto, prefeitos e secretários de educação ainda não compreendem nem se empenham o bastante na adoção das estratégias definidas, no interesse de toda a sociedade.
- Se a gente não contar com instrumentos de responsabilização, não vamos conseguir tratar a alfabetização de jovens e adultos como verdadeira prioridade – afirmou.

Voluntariado

Numa crítica ao Brasil Alfabetizado, Ainda Maria Monteiro Silva disse que não é mais possível admitir programas de alfabetização de jovens e adultos apoiados em alfabetizadores voluntários. Em sua avaliação, o assunto deve ser tratado com profissionalismo, o que exige a mobilização de professores por meio de concursos e capacitação especial. Mauro respondeu que, diante do tamanho do desafio do país na área, atuar com voluntários não é “descompromisso”, mas algo “viável”.

Salete Maria Moreira Aldrighi, que representou a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, observou que o papel desse órgão é articular diferentes áreas de governo, para assegurar a proteção aos direitos humanos, com base no Plano Nacional dos Direitos Humanos. Para Cristovam, no entanto, a SDH ainda “ignora” a questão do analfabetismo como uma violação de direitos. Salete, em seguida, deixou claro que a secretaria se dispõe a ser parceira na articulação de ações mais específicas sobre o problema do analfabetismo.

Violações derivadas

Para reforçar sua visão de que o analfabetismo atenta contra os direitos humanos, Cristovam listou 19 diferentes tipos de violações que entende decorrer da inaptidão para ler e escrever. Começou com o direito de “ir e vir”, diante da dificuldade que o iletrado tem de saber o destino de um ônibus ou linha de trem. Incluiu ainda o “direito ao emprego” a seu ver "praticamente nenhum no mundo de hoje”, e até o “direito de não ser torturado”, pois entende que os embaraços que analfabeto enfrenta dia-a-dia representa uma “tortura mental da mais forte gravidade”.

O senador defendeu ainda a federalização do ensino básico, a seu ver uma saída para uniformizar a qualidade do ensino, diante da incapacidade de resposta de estados e municípios pauperizados. Ele também apresentou aos convidados questões e críticas encaminhadas por espectadores da TV Senado, enviadas por meio dos canais interativos da Casa.


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