A realidade
do analfabetismo no Brasil, onde mais de 13,2 milhões de pessoas não sabem ler
e escrever, foi discutida em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos
e Legislação Participativa (CDH) nesta segunda-feira (9). Pelos registros
apresentados, além dos analfabetos plenos, outros 40 milhões de brasileiros não
chegaram a ultrapassar os quatro primeiros anos de estudo e permanecem analfabetos
funcionais, de modo geral sem capacidade para interpretar um texto curto e
simples.
Para os
participantes da audiência pública, que analisaram o tema pela ótica dos
direitos humanos, o analfabetismo representa a violação de um direito
fundamental da pessoa num mundo que passou à "era do conhecimento".
Isso porque, quando despojado de um padrão básico de formação, o indivíduo não
reúne condições de acessar e exercer plenamente outros direitos fundamentais,
inclusive deter informações para votar com consciência.
- Creio que
o debate ajudou na ideia de criar um clima de indignação em relação ao quadro
brasileiro vergonhoso do analfabetismo, que nos coloca entre os dez países com
maior número de analfabetos no mundo – avaliou ao fim o senador Cristovam
Buarque (PDT-DF).
Lei de
Responsabilidade
O senador,
que foi o propositor da audiência, falou de “indignação” assim que abriu os
trabalhos. O sentimento foi compartilhado pelos convidados à audiência, de
professores especialistas a representantes governamentais. Depois, a título de
solução, houve apoio à ideia de uma “Lei de Responsabilidade Educacional”,
já prevista em projeto legislativo do próprio Cristovam. Além de fixar
compromissos para a erradicação do analfabetismo, o texto prevê punições
administrativas para os gestores públicos que deixassem de fazer sua parte.
Aida Maria
Monteiro Silva, do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos,
salientou que os direitos humanos são “indivisíveis e interdependentes”, não
podendo haver supressão de qualquer um deles. Segundo ela, o analfabetismo é um
fator de “vulnerabilidade”, que acaba deixando a pessoa “à margem das
possibilidades” da vida social.
- A educação
é bem social do qual não podemos abrir mão e seu objetivo não se reduz à
formação de capital humano e da empregabilidade. Precisamos de educação que
contribua para a formação da personalidade do ser humano com respeito aos
direitos humanos e à democracia – defendeu.
Invisibilidade
Ex-reitor da
Universidade Nacional de Brasília (UnB), o professor José Geraldo de Souza
Júnior observou que o analfabetismo no país ainda se encontra num “campo de
invisibilidade”, entre as situações “naturalizadas” e que não sensibilizam de
forma mais contundente a sociedade. A seu ver, a explicação pode ser encontrada
na própria história do país, que passou pela experiência colonial e a
escravidão e chega aos tempos atuais sem transformar radicalmente o caráter
excludente de suas estruturas.
Hoje
coordenador do Núcleo de Estudos da Paz e Direitos Humanos da Universidade de
Brasília da UnB, José Geraldo salientou, no entanto, que leis, ideologias e
estruturas passam por permanente crítica e acabam absorvendo novas dimensões. A
seu ver, o processo histórico está evoluindo para formas de integração, e não
de exclusão. Segundo ele, importantes pensadores hoje apontam para um novo
conceito de conceber o desenvolvimento, dentro de uma visão de liberdade e de
afirmação de direitos.
- Isso
significa eliminar os obstáculos à humanização do sujeito, como a fome, a falta
de moradia, a discriminação social e racial e o analfabetismo – ressaltou.
Brasil
Alfabetizado
Pelo
Ministério da Educação, Mauro José da Silva, diretor de Políticas de
Alfabetizações de Jovens e Adultos, disse que também se encontra na mesma
posição dos “indignados”. Depois, salientou que a pasta da Educação vem
tentando conduzir da forma mais adequada possível soluções para o desafio do
analfabetismo, por meio do programa Brasil Alfabetizado. Apesar das
dificuldades, ele disse que o programa vem sendo reconhecido como referência
mundial.
Mauro da
Silva afirmou que o país já conta com boas leis e estudos a respeito do
problema. No entanto, prefeitos e secretários de educação ainda não compreendem
nem se empenham o bastante na adoção das estratégias definidas, no interesse de
toda a sociedade.
- Se a gente
não contar com instrumentos de responsabilização, não vamos conseguir tratar a
alfabetização de jovens e adultos como verdadeira prioridade – afirmou.
Voluntariado
Numa crítica
ao Brasil Alfabetizado, Ainda Maria Monteiro Silva disse que não é mais possível
admitir programas de alfabetização de jovens e adultos apoiados em
alfabetizadores voluntários. Em sua avaliação, o assunto deve ser tratado com
profissionalismo, o que exige a mobilização de professores por meio de
concursos e capacitação especial. Mauro respondeu que, diante do tamanho do
desafio do país na área, atuar com voluntários não é “descompromisso”, mas algo
“viável”.
Salete Maria
Moreira Aldrighi, que representou a Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República, observou que o papel desse órgão é articular
diferentes áreas de governo, para assegurar a proteção aos direitos humanos,
com base no Plano Nacional dos Direitos Humanos. Para Cristovam, no entanto, a
SDH ainda “ignora” a questão do analfabetismo como uma violação de direitos.
Salete, em seguida, deixou claro que a secretaria se dispõe a ser parceira na
articulação de ações mais específicas sobre o problema do analfabetismo.
Violações
derivadas
Para
reforçar sua visão de que o analfabetismo atenta contra os direitos humanos,
Cristovam listou 19 diferentes tipos de violações que entende decorrer da
inaptidão para ler e escrever. Começou com o direito de “ir e vir”, diante da
dificuldade que o iletrado tem de saber o destino de um ônibus ou linha de
trem. Incluiu ainda o “direito ao emprego” a seu ver "praticamente nenhum
no mundo de hoje”, e até o “direito de não ser torturado”, pois entende que os
embaraços que analfabeto enfrenta dia-a-dia representa uma “tortura mental da
mais forte gravidade”.
O senador
defendeu ainda a federalização do ensino básico, a seu ver uma saída para
uniformizar a qualidade do ensino, diante da incapacidade de resposta de
estados e municípios pauperizados. Ele também apresentou aos convidados
questões e críticas encaminhadas por espectadores da TV Senado, enviadas por
meio dos canais interativos da Casa.
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