Conflito
acabou ganhando proporções mundiais em questão de semanas

Efeito
dominó. Assim pode ser descrito o início da Primeira Guerra Mundial em 1914. De
uma contenda particular entre o Império Austro-Húngaro e a Sérvia, com o
assassinato do príncipe austríaco Francisco Ferdinando por nacionalistas
sérvios, o conflito acabou ganhando proporções mundiais em questão de semanas.
Por quê?
Prática que
remonta à criação dos Estados modernos, a diplomacia secreta é apontada como
uma das responsáveis por amplificar o embate. No dia 28 de junho, quando
Ferdinando pereceu nas ruas de Sarajevo, na Bósnia, as grandes potências da
Europa já estavam se posicionando discretamente do lado que consideravam mais
conveniente.
Unidos pela
ideia do pangermanismo e pela Tríplice Aliança, a Alemanha havia garantido
apoio aos austro-húngaros em caso de ataque externo. Do outro lado da arena,
movidos pelo pan-eslavismo, a Sérvia era garantida pela Rússia czarista,
“guardiã protetora” dos eslavos nos Bálcãs. Apesar de o conflito se restringir
inicialmente aos seus dois protegidos, alemães e russos tinham suas desavenças
pessoais, principalmente na aquisição dos resquícios de terra do Império Otomano
no Oriente Médio.
BRIGA TOMA
PROPORÇÃO MUNDIAL
Assim que o
Império Austro-Húngaro declarou guerra à Sérvia, em 28 de julho de 1914, a
Rússia começou a mobilizar suas tropas. Mesmo sem saber se os russos entrariam
ou não no conflito, a Alemanha se antecipou e declarou guerra ao czar Nicolau
II. O que era uma briga entre sérvios e austro-húngaros tomou nova proporção.
— A
diplomacia secreta não provocou a Primeira Guerra, mas é claro que ela tem a
ver com a rapidez com que a guerra cresceu. Era difícil você saber o que seu
vizinho estava fazendo e traçar seus passos. Tudo corria por debaixo dos panos
dos gabinetes das chancelarias — diz o historiador William Gonçalves, chefe do
Departamento de Relações Internacionais da Uerj.
Um dos
exemplos mais emblemáticos da prática surgiu ainda no século XIX, na Alemanha.
Com o objetivo de isolar a arqui-inimiga França a todo custo, o “marechal de
ferro” Otto von Bismarck prometeu, ao mesmo tempo, ajudar o Império
Austro-Húngaro e a Rússia — dois rivais nos Bálcãs. A manobra só foi possível,
é claro, pelo caráter secreto das alianças.
Este frágil
equilíbrio foi quebrado assim que o rei Guilherme II assumiu o trono da
Alemanha, em 1890. Ao trocar a contida estratégia do Realpolitik de Bismarck
pela expansionista Weltpolitik, os alemães denunciaram o Tratado de Resseguro
com a Rússia, rompendo de vez a cooperação entre as duas nações. A partir de
então, o novo soberano acreditou poder reinar absoluto sobre a Europa, mas
acabou jogando os russos nos braços da França, que por sua vez tinha se aliado
à Inglaterra desde 1904, quando os dois antigos rivais tinham resolvido suas
diferenças no Marrocos e assinado a Entente Cordiale. Tudo às escuras, no
gabinetes.
—
Formalmente, essas alianças eram de caráter defensivo, isto é, não se
destinavam a tomar a iniciativa de guerras contra terceiros, mas se prometiam
socorro se uma das aliadas fosse atacada — ensina o ex-embaixador do Brasil nos
EUA, Rubens Ricupero.
Não à toa,
quando a Alemanha declarou guerra à Rússia, ela resolveu invadir a França a
partir da Bélgica. O que eles não esperavam, no entanto, era que os britânicos
resolvessem entrar na briga para defender a neutralidade belga e os novos
amigos, os franceses. Reza a lenda que, quando soube que o Reino Unido
declarara guerra aos alemães, o imperador Guilherme II entrou em depressão. Ele
era neto da rainha Vitória, realeza com maior tempo no trono inglês.
— Esse foi o
maior erro da Alemanha. Eles não sabiam que a Inglaterra defenderia a Bélgica e
a França. Não imaginavam que o conflito tomaria essas proporções — afirma
Gonçalves.

Os tratados
secretos imperavam até mesmo durante a guerra. Em 1915, por exemplo, a Itália
assinou o Tratado de Londres, onde trocava a Tríplice Aliança com Alemanha e
Império Austro-Húngaro pela Tríplice Entente, com Inglaterra, França e Rússia.
No ano seguinte, o diplomata inglês Mark Sykes e seu colega francês François
Georges-Picot assinaram secretamente o que ficou conhecido como o Acordo
Skyes-Picot, que determinava que as antigas províncias do Império Turco-Otomano
no Oriente Médio fossem repartidas entre as duas nações. A negociação pegou de
surpresa até mesmo Thomas Edward Lawrence, conhecido como “Lawrence da Arábia”,
agente inglês responsável por estimular os nacionalismos dos povos árabes e
desestabilizar os turcos, até então aliados dos alemães.
DO SECRETO
AO PÚBLICO
A diplomacia
por debaixo dos panos chegou a tal ponto que o presidente dos Estados Unidos,
Woodrow Wilson, reservou um de seus 14 pontos para o assunto. Ao discursar no
Congresso americano sobre possíveis planos para a paz, o estadista defendeu que
as relações entre os Estados deveriam ser públicas, o que elevaria a confiança
mútua e diminuiria os riscos de novos conflitos. A proposta acabou virando
norma de Direito Internacional com o Tratado de Versalhes — que criou a Liga
das Nações — e com a Carta de São Francisco — que deu a luz às Nações Unidas em
1945. Atualmente, todo tratado ratifica o entre dois Estados deve ser tornado
público e depositado na Secretaria-Geral da ONU, em Nova York.
— Wilson
imaginou que quanto mais transparência, maior seria a cooperação entre os
Estados. A Liga das Nações ampliou esse conceito, consagrando os princípios
liberais nas relações internacionais a partir dali — explicou o chefe do
Departamento de Ciências Políticas e Relações Internacionais do IUPERJ, Paulo
Velasco.
Além de
tentar enterrar a diplomacia secreta, o idealismo da Liga das Nações acabou
inaugurando o primeiro curso de Relações Internacionais do mundo, batizada (não
por coincidência) como Cátedra Woodrow Wilson de Política Internacional, em
1919, na Universidade de Gales, na Inglaterra. Os primeiros estudos por lá
tentaram entender os fenômenos de guerra e paz.
Para
Ricupero, no entanto, a principal fraqueza daquele momento era um instável
sistema multipolar, carente de instituições jurídicas comuns a todos os
Estados.
— O
presidente Wilson, ao dar tanta importância à interdição da diplomacia secreta
nos seus 14 Pontos, confundiu a diplomacia secreta com a verdadeira causa que
era um sistema multipolar, sem organização internacional e sem respeito ao
Direito — diz.
Mas nem tudo
é feito às claras hoje em dia. De acordo com Velasco, ainda existem resquícios
de diplomacia secreta:
— Após a
Primeira Guerra e o Tratado de Versalhes, a diplomacia secreta deixou de ser o
“normal” nas relações internacionais, mas ela não acabou e nunca vai acabar,
pois ainda oferece algumas vantagens a curto prazo para os Estados. Os
escândalos de compartilhamento de dados por espionagem e o próprio Wikileaks
estão aí para provar isso — ressaltou Velasco.
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