sábado, 12 de julho de 2014

A diplomacia secreta que impulsionou a Primeira Guerra Mundial

Conflito acabou ganhando proporções mundiais em questão de semanas
 O mesmo Congresso americano onde o presidente Woodrow Wilson expôs seus ‘14 pontos’ para a paz rejeitou depois a adesão dos Estados Unidos à Liga das Nações Foto: AP

Efeito dominó. Assim pode ser descrito o início da Primeira Guerra Mundial em 1914. De uma contenda particular entre o Império Austro-Húngaro e a Sérvia, com o assassinato do príncipe austríaco Francisco Ferdinando por nacionalistas sérvios, o conflito acabou ganhando proporções mundiais em questão de semanas. Por quê?
Prática que remonta à criação dos Estados modernos, a diplomacia secreta é apontada como uma das responsáveis por amplificar o embate. No dia 28 de junho, quando Ferdinando pereceu nas ruas de Sarajevo, na Bósnia, as grandes potências da Europa já estavam se posicionando discretamente do lado que consideravam mais conveniente.

Unidos pela ideia do pangermanismo e pela Tríplice Aliança, a Alemanha havia garantido apoio aos austro-húngaros em caso de ataque externo. Do outro lado da arena, movidos pelo pan-eslavismo, a Sérvia era garantida pela Rússia czarista, “guardiã protetora” dos eslavos nos Bálcãs. Apesar de o conflito se restringir inicialmente aos seus dois protegidos, alemães e russos tinham suas desavenças pessoais, principalmente na aquisição dos resquícios de terra do Império Otomano no Oriente Médio.

BRIGA TOMA PROPORÇÃO MUNDIAL

Assim que o Império Austro-Húngaro declarou guerra à Sérvia, em 28 de julho de 1914, a Rússia começou a mobilizar suas tropas. Mesmo sem saber se os russos entrariam ou não no conflito, a Alemanha se antecipou e declarou guerra ao czar Nicolau II. O que era uma briga entre sérvios e austro-húngaros tomou nova proporção.
— A diplomacia secreta não provocou a Primeira Guerra, mas é claro que ela tem a ver com a rapidez com que a guerra cresceu. Era difícil você saber o que seu vizinho estava fazendo e traçar seus passos. Tudo corria por debaixo dos panos dos gabinetes das chancelarias — diz o historiador William Gonçalves, chefe do Departamento de Relações Internacionais da Uerj.
Um dos exemplos mais emblemáticos da prática surgiu ainda no século XIX, na Alemanha. Com o objetivo de isolar a arqui-inimiga França a todo custo, o “marechal de ferro” Otto von Bismarck prometeu, ao mesmo tempo, ajudar o Império Austro-Húngaro e a Rússia — dois rivais nos Bálcãs. A manobra só foi possível, é claro, pelo caráter secreto das alianças.

Este frágil equilíbrio foi quebrado assim que o rei Guilherme II assumiu o trono da Alemanha, em 1890. Ao trocar a contida estratégia do Realpolitik de Bismarck pela expansionista Weltpolitik, os alemães denunciaram o Tratado de Resseguro com a Rússia, rompendo de vez a cooperação entre as duas nações. A partir de então, o novo soberano acreditou poder reinar absoluto sobre a Europa, mas acabou jogando os russos nos braços da França, que por sua vez tinha se aliado à Inglaterra desde 1904, quando os dois antigos rivais tinham resolvido suas diferenças no Marrocos e assinado a Entente Cordiale. Tudo às escuras, no gabinetes.

— Formalmente, essas alianças eram de caráter defensivo, isto é, não se destinavam a tomar a iniciativa de guerras contra terceiros, mas se prometiam socorro se uma das aliadas fosse atacada — ensina o ex-embaixador do Brasil nos EUA, Rubens Ricupero.
Não à toa, quando a Alemanha declarou guerra à Rússia, ela resolveu invadir a França a partir da Bélgica. O que eles não esperavam, no entanto, era que os britânicos resolvessem entrar na briga para defender a neutralidade belga e os novos amigos, os franceses. Reza a lenda que, quando soube que o Reino Unido declarara guerra aos alemães, o imperador Guilherme II entrou em depressão. Ele era neto da rainha Vitória, realeza com maior tempo no trono inglês.

— Esse foi o maior erro da Alemanha. Eles não sabiam que a Inglaterra defenderia a Bélgica e a França. Não imaginavam que o conflito tomaria essas proporções — afirma Gonçalves.


Os tratados secretos imperavam até mesmo durante a guerra. Em 1915, por exemplo, a Itália assinou o Tratado de Londres, onde trocava a Tríplice Aliança com Alemanha e Império Austro-Húngaro pela Tríplice Entente, com Inglaterra, França e Rússia. No ano seguinte, o diplomata inglês Mark Sykes e seu colega francês François Georges-Picot assinaram secretamente o que ficou conhecido como o Acordo Skyes-Picot, que determinava que as antigas províncias do Império Turco-Otomano no Oriente Médio fossem repartidas entre as duas nações. A negociação pegou de surpresa até mesmo Thomas Edward Lawrence, conhecido como “Lawrence da Arábia”, agente inglês responsável por estimular os nacionalismos dos povos árabes e desestabilizar os turcos, até então aliados dos alemães.

DO SECRETO AO PÚBLICO
A diplomacia por debaixo dos panos chegou a tal ponto que o presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson, reservou um de seus 14 pontos para o assunto. Ao discursar no Congresso americano sobre possíveis planos para a paz, o estadista defendeu que as relações entre os Estados deveriam ser públicas, o que elevaria a confiança mútua e diminuiria os riscos de novos conflitos. A proposta acabou virando norma de Direito Internacional com o Tratado de Versalhes — que criou a Liga das Nações — e com a Carta de São Francisco — que deu a luz às Nações Unidas em 1945. Atualmente, todo tratado ratifica o entre dois Estados deve ser tornado público e depositado na Secretaria-Geral da ONU, em Nova York.

— Wilson imaginou que quanto mais transparência, maior seria a cooperação entre os Estados. A Liga das Nações ampliou esse conceito, consagrando os princípios liberais nas relações internacionais a partir dali — explicou o chefe do Departamento de Ciências Políticas e Relações Internacionais do IUPERJ, Paulo Velasco.

Além de tentar enterrar a diplomacia secreta, o idealismo da Liga das Nações acabou inaugurando o primeiro curso de Relações Internacionais do mundo, batizada (não por coincidência) como Cátedra Woodrow Wilson de Política Internacional, em 1919, na Universidade de Gales, na Inglaterra. Os primeiros estudos por lá tentaram entender os fenômenos de guerra e paz.

Para Ricupero, no entanto, a principal fraqueza daquele momento era um instável sistema multipolar, carente de instituições jurídicas comuns a todos os Estados.
— O presidente Wilson, ao dar tanta importância à interdição da diplomacia secreta nos seus 14 Pontos, confundiu a diplomacia secreta com a verdadeira causa que era um sistema multipolar, sem organização internacional e sem respeito ao Direito — diz.
Mas nem tudo é feito às claras hoje em dia. De acordo com Velasco, ainda existem resquícios de diplomacia secreta:

— Após a Primeira Guerra e o Tratado de Versalhes, a diplomacia secreta deixou de ser o “normal” nas relações internacionais, mas ela não acabou e nunca vai acabar, pois ainda oferece algumas vantagens a curto prazo para os Estados. Os escândalos de compartilhamento de dados por espionagem e o próprio Wikileaks estão aí para provar isso — ressaltou Velasco.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente esta matéria!

Total de visualizações de página