No Brasil,
autora tem publicados livros como ‘De volta à vida’ e ‘Tempos de reflexão — De
1954 a 1989’

JOHANNESBURGO
- Uma das maiores vozes a se levantar contra o regime do Apartheid, a escritora
sulafricana Nadine Gordimer, ganhadora do Prêmio Nobel de 1991, morreu ontem,
aos 90 anos, segundo anunciou sua família.
A obra dela
é uma viagem ao coração das trevas do Apartheid. Foi esse o percurso literário
de Nadine Gordimer, nascida na região rural da África do Sul, filha de
imigrantes judeus vindos da Europa Oriental. Escrevendo sobre o amor, o ódio e
amizade sob o jugo da minoria branca de seu país, ela ganhou vários prêmios
pelo mundo — inclusive o maior deles, o Nobel de Literatura, em 1991. Era vista
por muitos como a maior escritora da África do Sul e esteve no Brasil em 2007,
quando foi convidada da Flip daquele ano, para uma mesa ao lado de Amos Óz.
Nadine
aprendeu desde cedo a se importar com a opressão a qual os negros eram
submetidos em seu país. Quando era pequena, sua mãe abriu uma creche para
cuidar de crianças negras. Talvez porque a família da escritora já conhecesse a
perseguição racial há gerações. Seu pai, afinal, fugira da Rússia czarista por
conta do antissemitismo.
Nadine
Gordimer foi uma das vozes mais poderosas contra a segregação racial na África
do Sul. Não à toa, teve vários de seus livros censurados pelo regime, sob a
acusação de que era subversiva. Sua última obra publicada no Brasil é “O melhor
tempo é o presente”, pela Companhia das Letras, que edita a maior parte de seus
livros, como “De volta à vida” e “A arma da casa”. Pela Globo Livros, Nadine
tem publicado os dois volumes de “Tempo de reflexão”, coletânea de seus
ensaios. Nadine escreveu mais de 30 livros, entre romances, contos e ensaios
políticos ou de crítica literária.
Uma história
de 2006 é um bom exemplo de sua posição política.
Naquele ano, a autora teve
sua casa invadida por assaltantes, que a trancaram na despensa. Ao comentar o
incidente, ela mostrou solidariedade aos criminosos: “Acho que precisamos
buscar as razões por trás do crime. Há jovens pobres e sem oportunidades. Eles
precisam de educação e emprego”, disse em entrevista. Contra os pedidos de
pessoas próximas, ela se recusou a se mudar para um condomínio fechado.
Nadine foi
um dos primeiros membros do Congresso Nacional Africano (CNA), partido que
elegeu Nelson Mandela presidente nos anos 1990, pondo fim ao Apartheid. Madiba
conta em sua biografia que “A filha de Burger” (Rocco), livro de Nadine
censurado à época, chegou às suas mãos na cadeia. Na ocasião, escreveu uma
carta à autora elogiando a obra. Quando foi solto, os dois mantiveram contato
por toda a vida. Além de Mandela, Nadine foi amiga de grandes intelectuais do
nosso tempo, como a americana Susan Sontag e o palestino Edward Said.
Relação
difícil com a mãe
Nadine
sempre fez questão de dizer que não foi o Apartheid que a fez escritora, mas
sim que a descoberta da literatura a levou a explorar a opressão dos brancos
sobre os negros. “O fato de meus livros serem vistos como tão políticos se deve
ao fato de eu ter passado a vida nesta sociedade tão influenciada pelo conflito
político, o que em termos práticos, claro, é um conflito humano”, disse certa
vez.
O coração de
Nadine Gordimer batia muito rápido. Quando ela era pequena e sonhava ser
bailarina — e entrava em todas as brincadeiras com as outras crianças —, sua
mãe se assustou com o fato e a tirou da escola, com medo que algo de mau
ocorresse. Nadine passou a ser educada por um tutor e usava a leitura para
lutar contra seu isolamento. A autora dizia que virara “uma velhinha” aos
cuidados da mãe.
Já na fase
adulta, descobriu que sua taquicardia era resultado de um hipertireoidismo — e
não apresentava nenhum risco. A escritora afirmava que a atitude da mãe vinha
de seu casamento infeliz. Com uma paixonite pelo médico da família, era
conveniente que a mulher tivesse uma filha que necessitasse de cuidados. Alguns
críticos literários veem na obra de Nadine a dificuldade de crescer sob o
domínio de uma mãe controladora.
Um dos
momentos mais difíceis de sua carreira literária veio nos anos 1970, quando os
movimentos negros começaram a excluir os brancos de suas trincheiras. Nadine
acabou afastada de outros intelectuais, e seu trabalho foi alvo de críticas. Os
ativistas anti-Apartheid diziam que uma escritora branca jamais poderia contar
uma história pelo olhar de um personagem negro. Nadine rebateu assim tal
acusação: “Há coisas que os negros sabem sobre os brancos que não sobre nós
mesmos, por ocultá-las em nossas relações — mas o contrário também ocorre”.
Fim do
Apartheid
Com o fim do
Apartheid, muitos críticos literários duvidaram que ela continuaria escrevendo,
uma vez que teria perdido o grande tema de sua literatura. “Não afeta o meu
trabalho. Porque não foi o Apartheid que me fez escritora, e não é o fim dele
que vai me parar”, disse, e continuou a publicar. Ganhar o Nobel serviu de
estímulo, porque Nadine dizia não querer que o prêmio fosse “uma lápide em sua
cova”.
Nadine
Gordimer já havia anunciado, em 2013, sofrer de um câncer no pâncreas. A autora
morreu enquanto dormia, no último domingo, segundo anunciou sua família. Ela
deixa dois filhos.
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