Teoria
política mostra a importância de os cidadãos se manifestarem e exercerem
pressão para que suas necessidades e desejos sejam atendidos

As
manifestações de junho passado levaram multidões às ruas. Quase um ano
depois, é difícil ver mudanças claras e importantes na política brasileira. A
população continua dando mostras de que não acredita nos políticos e poucas das
bandeiras erguidas pelos manifestantes tiveram respostas das autoridades. Se
nem o protesto adiantou, será que há motivo para desistir de propor melhoras
para o país?
Para
estudiosos da política, mesmo que não tragam resultados imediatos, protestos e
manifestações são sinais importantes de que a população está interessada em
aprofundar a democracia e de que percebeu que as mudanças muitas vezes só
ocorrem quando há pressão social. Isso passa pela compreensão de que a política
tem sempre algum grau de tensão, de conflito, e que os cidadãos precisam se
esforçar para que seus interesses sejam atendidos.
Entrevista
O cidadão
tem direito de ajudar a fazer as leis que obedece
A Gazeta do
Povo entrevistou o cientista político Rúrion Melo, especialista na obra do
filósofo alemão Jürgen Habermas, para falar sobre Direito e mobilização social
Quando deu
certo
Veja casos
em que grupos conseguiram ampliar seus direitos depois de pressionar governos e
instituições:
Voto das
mulheres
Depois da I
Guerra Mundial (1914-1918), as mulheres conquistaram o direito ao voto. Elas
argumentavam que haviam provado que podiam dar contribuições importantes à
sociedade por ter assumido o trabalho nas fábricas, liberando os homens para a
guerra.
Direitos dos
negros
Em vários
países, os negros lutaram contra a discriminação racial. Nos EUA, líderes de
direitos civis, como Martin Luther King Jr., fizeram marchas e protestos nos
anos 1960 para eliminar a segregação. Na África do Sul, sob a liderança de
Nelson Mandela, os negros lutaram e acabaram com o apartheid.
Diversidade
Os
homossexuais conseguiram diversos avanços na legislação depois que passaram a
lutar de maneira organizada contra a discriminação.
A série de
reportagens “Democracia em Construção”, que será publicada em mais três
domingos, busca mostrar quais são as teorias políticas contemporâneas que
tentam aprofundar a democracia. Na próxima semana, o tema será a democracia
deliberativa.
Esse é um
dos temas, por exemplo, abordados pelo filósofo francês Claude Lefort
(1924-2010). Para ele, a democracia tem lógica oposta à do totalitarismo. Num
regime totalitário, não há espaço para que se pense diferente daquilo que
ordena o governante.
Na democracia, os cidadãos não precisam pensar como lhe
ordenam. Pelo contrário: devem expor seus pontos de vista e usar o espaço
existente para exigir melhorias. A democracia é conflito de ideias, e quem quer
conseguir conquistas precisa participar.
“A ênfase
aqui está no conflito, na divergência, na luta para impor pautas e para
garantir que direitos sejam institucionalizados”, afirma a professora de
filosofia política Maria Isabel Limongi, da UFPR. Lefort não acredita que a
democracia chega à perfeição, e acha que a cada momento é preciso lutar para
melhorá-la.
Contrapoder
Interessado
nas redes sociais e no papel que elas desempenharam em protestos recentes, o
sociólogo espanhol Manuel Castells defende ideia parecida ao dizer que o Estado
representa o poder e que a população, ao fazer pressão sobre ele, exerce uma
espécie de contrapoder. Em seu livro mais recente, Redes de Indignação e
Esperança, Castells afirma que os movimentos sociais sempre exerceram esse
papel ao fazer política sem se deixar dominar pelo poder estatal. E a internet,
ao permitir que os cidadãos se exprimam e se encontrem, sem depender dos meios
de comunicação convencionais, potencializaram esse poder de reação. “É por isso
que os governos têm medo da internet”, diz Castells no livro.
Nem sempre
as manifestações populares se refletem imediatamente na estrutura da
democracia. Mas a teoria e a história mostram que, no longo prazo, a luta por
direitos costuma dar resultados. “A política”, dizia o sociólogo Max Weber um
século atrás, “é como a lenta perfuração de tábuas duras. Exige tanto paixão
como perspectiva”. Para ele, a história confirma que “o homem não teria
alcançado o possível se repetidas vezes não tivesse tentado o impossível”. Mas
para conseguir o impossível, alertava Weber, é preciso se preparar para decepções
por longo tempo, para “enfrentar até mesmo o desmoronar de todas as esperanças,
ou os homens não poderão alcançar nem mesmo aquilo que é possível hoje”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente esta matéria!