No ensino
médio, números chegam a 22%, contrariando o que manda a Lei de Diretrizes e
Bases

Formado em
Engenharia Química, professor dá aulas em cursinho: ele pede flexibilização ao
MEC / Guito Moreto
RIO -
Contrariando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, segundo a qual
professores que atuam a partir do 6º ano devem ter nível superior em curso de
licenciatura, levantamento do Todos Pela Educação com dados do Censo Escolar de
2013 mostra que mais de um terço (35,4%) dos docentes do ensino fundamental têm
apenas bacharelado. No ensino médio, a fatia é de 22,1%. E, mesmo entre os que
têm licenciatura, nem sempre ela corresponde à disciplina em que atuam. No
fundamental, são 67,2% os professores que detêm o título de outra área; no
ensino médio, 51,7%.
Em janeiro,
O GLOBO publicou um estudo feito pela UniCarioca que mostra que apenas 20% dos
alunos do ensino médio no Rio pretendem cursar licenciatura, sobretudo devido
às baixas remunerações no magistério. Além disso, segundo dados do Ministério
da Educação, a quantidade de alunos concluindo licenciaturas caiu 16% de 2010 a
2012.
Se há
especialistas e profissionais que criticam a falta de formação específica dos
docentes, defendendo que o aprendizado de ferramentas pedagógicas influencia
diretamente na qualidade do ensino, há também quem sustente que uma boa
formação é o único fator fundamental para resultar num bom professor.
‘Nunca quis
ser professor’
Grande parte
das escolas do Rio afirma controlar com rigor o histórico escolar dos seus
professores. No entanto, há casos como o de um curso pré-vestibular da Zona
Norte onde cerca de 30% dos docentes não têm licenciatura. X., sócio da
unidade, é formado em Engenharia Química e começou a dar aulas ainda na
faculdade.
— Nunca quis
ser só professor. Muita gente acaba não fazendo licenciatura porque
“decola" e recebe muitas ofertas de emprego. Então, a licenciatura acaba
em segundo plano. Para essa galera, ela até atrapalha — conta X., que pediu
para não ser identificado na reportagem por temer reações negativas dos pais de
alunos e também do Ministério da Educação.
De acordo
com o professor, o cursinho convoca jovens profissionais para dar um número
reduzido de aulas. Os que têm bom desempenho são incentivados a cursar
licenciatura posteriormente. Para X., que é professor de Química, o MEC deveria
elaborar provas de certificação para qualquer profissional gabaritado,
independentemente da licenciatura.
A disciplina
que ele leciona é a segunda com mais professores do ensino médio sem
licenciatura: 28,6% do total. Artes aparecem em primeiro lugar (36,9%), e
Física vem em terceiro (26,1%). Também no ensino médio, 85,1% dos professores
de Artes não têm licenciatura na área em que lecionam. Já em Física são 80,8%
sem formação específica; em Filosofia, 78,8%.
João Paulo
Rangel, de 35 anos, tem licenciatura em Sociologia e dá aulas de Geografia. Ele
critica a limitação da docência à área de formação.
— Quando o
professor é antenado e tem uma formação sólida, consegue dialogar com
diferentes disciplinas. O treinamento ajuda, mas o fundamental é o professor
gostar de ensinar — opina Rangel, que leciona em três escolas particulares do
Rio.
Professora
da rede estadual do Rio desde 2009, Y. discorda. Formada com licenciatura em
Biologia, ela dava aulas de Química, até o ano passado, para completar a carga
horária de 16 horas semanais exigida por contrato:
— Fico
desconfortável em dar aulas de outra disciplina. Mesmo sabendo o conteúdo, me
faltavam ferramentas pedagógicas específicas. A aula ficava massante.
Poucos
docentes, poucos licenciados
O discurso
de Y. se afina com o de Suely Druck, professora da Universidade Federal
Fluminense (UFF) e uma das criadoras da Olimpíada Brasileira de Matemática das
Escolas Públicas (OBMEP). Para ela, a formação dos professores brasileiros tem
impacto na qualidade da educação do país, que define como uma “tragédia
nacional”.
— A questão
da formação é seriíssima. Há professores que não conhecem determinados assuntos
e têm de ensiná-los. Ensinam muito mal — pondera.
Suely afirma
que a alta proporção de docentes sem formação específica está relacionada ao
número reduzido de professores com licenciatura. A professora calcula que, a
cada cem alunos que entram na graduação para formar professores de matemática,
só 20 terminam.
— São muitas
vagas para poucos candidatos, e muitos entram tirando quase zero na disciplina.
São alunos despreparados, que não sabem coisas básicas. Não gostam e nem têm
interesse por matemática. Por isso, boa parte se perde pelo caminho.
O educador
Mozart Neves Ramos também chama atenção para o déficit de professores. Segundo
ele, no ensino médio, faltam cerca de 250 mil docentes no Brasil. Para ele,
porém, licenciatura não é garantia de qualidade:
— Mesmo os
poucos que se formam ainda estão muito distantes da sala de aula no sentido de
que não dominam a prática do ensino, sobretudo nas escolas públicas. O grande
desafio brasileiro é aliar técnica à parte pedagógica.
O MEC
informou que tem investido em acordos entre redes de ensino e instituições de
ensino superior e cita o Pacto Nacional de Fortalecimento do Ensino Médio,
regulamentado por portaria ministerial em novembro do ano passado. Um dos
objetivos é valorizar a formação continuada de professores.
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