KIEV - A
Ucrânia viveu nesta sexta-feira seu dia mais violento com mais de 40 mortos,
desde a queda do ex-presidente Viktor Yanukovich, em fevereiro, quando 100
manifestantes foram mortos. O governo do país definiu o dia como de “muitas
mortes”.
Mais de 30
pessoas morreram num prédio incendiado e outras foram assassinadas com disparos
em confrontos nas ruas de Odessa, cidade na costa sudoeste do país no Mar
Negro.
Em
Slaviansk, uma ofensiva de Kiev para retomar a cidade provocou ao menos sete
mortes, e dois helicópteros ucranianos foram derrubados. O cenário de guerra
levou o presidente da Rússia, Vladimir Putin, a assumir o que nenhum líder
havia admitido publicamente: que o acordo para resolver o conflito, assinado em
Genebra mês passado, falhou. Moscou levou o tema a uma reunião de emergência do
Conselho de Segurança da ONU, e reiterou, mais uma vez, seu direito de
intervenção militar no Leste do país vizinho, de maioria russa.
A situação
mais caótica foi registrada em Odessa, onde uma manifestação de simpatizantes
de Kiev foi atacada pró-russos. Quatro pessoas morreram e pelo menos 15 ficaram
feridas nos confrontos. Pouco depois, um incêndio ligado à tensão separatista
deixou ao menos 31 mortos.
No
incidente, grupos pró-Kiev incendiaram um prédio com manifestantes pró-Rússia
dentro. Várias pessoas morreram intoxicadas e outras se atiraram das janelas.
No reduto
rebelde de Slaviansk, a população acordou com o estrondo de canhões e entre
avisos dos separatistas para que “mulheres, crianças e idosos” não saíssem de
casa. O Exército ucraniano lançou uma ofensiva para tentar recuperar a cidade,
sobre a qual admitiu ter perdido controle há três dias. Relatos locais indicam
que os soldados foram recebidos com hostilidade pelos moradores, que gritavam
“Voltem para casa” e bloqueavam a passagem dos veículos blindados.
— Nossa
cidade foi atacada, começou a invasão — declarou o líder separatista Viacheslav
Ponomariov, autoproclamado prefeito de Slaviansk.
O presidente
interino, Oleksander Turchinov, disse que dois soldados ucranianos morreram na
operação, enquanto separatistas indicaram a morte de três rebeldes e dois
civis. O Exército ucraniano conseguiu retomar nove postos de controle que
estavam em poder dos separatistas, segundo o Ministério do Interior. Mas seus
avanços ainda são escassos ante o poder de fogo dos pró-russos.
Dois
helicópteros Mi-24 das forças ucranianas foram atingidos por mísseis e
derrubados. Um terceiro helicóptero, modelo Mi-8, também foi atingido. E,
enquanto as forças do governo tentavam reassumir Slaviansk, em Donetsk,
separatistas tomaram um centro de operações das linhas de trem que cortam o
Leste.
Em
entrevista o jornal “Financial Times” o primeiro-ministro interino do país na
quinta-feira, Arseniy Yatseniuk, disse que o país entrava em seus “10 dias mais
perigosos” desde a independência em 1991.
Moscou pede
fim das ‘operações de castigo’
Acusada por
Kiev e pelos países ocidentais de estar por trás do movimento separatista, a
Rússia exigiu no Conselho de Segurança da ONU que a Ucrânia “acabe com suas
operações de castigo” no Leste do país.
— Pedimos a
Kiev e a seus aliados que não cometam um erro fatal, e que assumam as
consequências de suas ações — declarou o embaixador russo, Vitali Churkin.
Já a
embaixadora dos EUA no conselho, Samantha Power, justificou que Kiev apenas
“tentou conter uma violência paramilitar apoiada pela Rússia para garantir a
segurança dos ucranianos”.
— Nenhum
país membro deste conselho ficaria sem reagir se suas cidades estivessem sendo
tomadas por milicianos armados — completou o embaixador britânico, Mark Lyall
Grant, que criticou a “hipocrisia espantosa” da Rússia, que “arma os regimes
mais repressivos do mundo, incluindo a Síria”.
O
secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, instou as partes envolvidas “a dar
mostras da máxima prudência”. Mas, até a noite de ontem, o conselho não
anunciou acordos sobre uma ação na Ucrânia, já que a Rússia, como membro
permanente, tem poder de veto.
Obama
critica Putin
Com a
violência a níveis sem precedentes no Leste da Ucrânia, o presidente dos
Estados Unidos, Barack Obama, e a chanceler federal alemã, Angela Merkel,
ameaçaram ontem uma terceira rodada de sanções contra a Rússia caso os
separatistas pró-Moscou mantenham os ataques e impeçam a realização das
eleições presidenciais previstas para o dia 25. Desta vez, as punições podem se
estender a setores sensíveis da economia russa, como energia e o sistema
bancário. As sanções anteriores, aplicadas sobre políticos e militares russos e
dirigentes separatistas ucranianos, falharam em levar a uma saída da crise.
— Na Europa,
tomamos a decisão de que, se houver uma desestabilização maior, vamos dar
início a uma terceira etapa de sanções. Não é necessariamente o que queremos,
mas estamos preparados e prontos para tomar tal decisão — ameaçou Merkel.
A chanceler
federal alemã, uma interlocutora crucial no diálogo dada sua influência sobre o
Kremlin, reuniu-se ontem durante quatro horas com Obama em Washington.
Potências ocidentais acusam a Rússia de apoiar as ofensivas separatistas no
Leste ucraniano, onde a maioria da população fala russo. Para o presidente dos
EUA, o poder de fogo dos rebeldes, que derrubaram ontem dois helicópteros das
forças ucranianas, reforça a tese de que o movimento não é tão espontâneo
quanto Moscou alega ser.
— A
honestidade e a credibilidade de Putin estão abaladas. O governo da Rússia
insiste em tratar a situação como fruto de manifestações espontâneas, mas
manifestantes espontâneos não derrubam helicópteros — disse Obama.
Os dois
governantes também pediram à Rússia que ajude na libertação dos observadores
europeus da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE),
detidos desde a semana passada em Slaviansk.
As
discordâncias surgiram quando o tema da discussão passou à espionagem
americana, que abalou as relações bilaterais no ano passado.
— Há algumas
arestas por aparar — disse Obama em entrevista coletiva.
Merkel
também foi evasiva após o encontro:
— Temos
diferenças de opinião que devemos resolver.
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