sexta-feira, 2 de maio de 2014

Ucrânia vive dia mais sangrento desde queda de ex-presidente



Barracas de ativistas pró-Rússia são queimadas em Odessa, no sudoeste da Ucrânia
Foto: STRINGER / REUTERS

KIEV - A Ucrânia viveu nesta sexta-feira seu dia mais violento com mais de 40 mortos, desde a queda do ex-presidente Viktor Yanukovich, em fevereiro, quando 100 manifestantes foram mortos. O governo do país definiu o dia como de “muitas mortes”.

Mais de 30 pessoas morreram num prédio incendiado e outras foram assassinadas com disparos em confrontos nas ruas de Odessa, cidade na costa sudoeste do país no Mar Negro.

Em Slaviansk, uma ofensiva de Kiev para retomar a cidade provocou ao menos sete mortes, e dois helicópteros ucranianos foram derrubados. O cenário de guerra levou o presidente da Rússia, Vladimir Putin, a assumir o que nenhum líder havia admitido publicamente: que o acordo para resolver o conflito, assinado em Genebra mês passado, falhou. Moscou levou o tema a uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU, e reiterou, mais uma vez, seu direito de intervenção militar no Leste do país vizinho, de maioria russa.

A situação mais caótica foi registrada em Odessa, onde uma manifestação de simpatizantes de Kiev foi atacada pró-russos. Quatro pessoas morreram e pelo menos 15 ficaram feridas nos confrontos. Pouco depois, um incêndio ligado à tensão separatista deixou ao menos 31 mortos.

No incidente, grupos pró-Kiev incendiaram um prédio com manifestantes pró-Rússia dentro. Várias pessoas morreram intoxicadas e outras se atiraram das janelas.
No reduto rebelde de Slaviansk, a população acordou com o estrondo de canhões e entre avisos dos separatistas para que “mulheres, crianças e idosos” não saíssem de casa. O Exército ucraniano lançou uma ofensiva para tentar recuperar a cidade, sobre a qual admitiu ter perdido controle há três dias. Relatos locais indicam que os soldados foram recebidos com hostilidade pelos moradores, que gritavam “Voltem para casa” e bloqueavam a passagem dos veículos blindados.

— Nossa cidade foi atacada, começou a invasão — declarou o líder separatista Viacheslav Ponomariov, autoproclamado prefeito de Slaviansk.
O presidente interino, Oleksander Turchinov, disse que dois soldados ucranianos morreram na operação, enquanto separatistas indicaram a morte de três rebeldes e dois civis. O Exército ucraniano conseguiu retomar nove postos de controle que estavam em poder dos separatistas, segundo o Ministério do Interior. Mas seus avanços ainda são escassos ante o poder de fogo dos pró-russos. 

Dois helicópteros Mi-24 das forças ucranianas foram atingidos por mísseis e derrubados. Um terceiro helicóptero, modelo Mi-8, também foi atingido. E, enquanto as forças do governo tentavam reassumir Slaviansk, em Donetsk, separatistas tomaram um centro de operações das linhas de trem que cortam o Leste.

Em entrevista o jornal “Financial Times” o primeiro-ministro interino do país na quinta-feira, Arseniy Yatseniuk, disse que o país entrava em seus “10 dias mais perigosos” desde a independência em 1991.
Moscou pede fim das ‘operações de castigo’

Acusada por Kiev e pelos países ocidentais de estar por trás do movimento separatista, a Rússia exigiu no Conselho de Segurança da ONU que a Ucrânia “acabe com suas operações de castigo” no Leste do país.

— Pedimos a Kiev e a seus aliados que não cometam um erro fatal, e que assumam as consequências de suas ações — declarou o embaixador russo, Vitali Churkin.
Já a embaixadora dos EUA no conselho, Samantha Power, justificou que Kiev apenas “tentou conter uma violência paramilitar apoiada pela Rússia para garantir a segurança dos ucranianos”.

— Nenhum país membro deste conselho ficaria sem reagir se suas cidades estivessem sendo tomadas por milicianos armados — completou o embaixador britânico, Mark Lyall Grant, que criticou a “hipocrisia espantosa” da Rússia, que “arma os regimes mais repressivos do mundo, incluindo a Síria”.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, instou as partes envolvidas “a dar mostras da máxima prudência”. Mas, até a noite de ontem, o conselho não anunciou acordos sobre uma ação na Ucrânia, já que a Rússia, como membro permanente, tem poder de veto.

Obama critica Putin
Com a violência a níveis sem precedentes no Leste da Ucrânia, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e a chanceler federal alemã, Angela Merkel, ameaçaram ontem uma terceira rodada de sanções contra a Rússia caso os separatistas pró-Moscou mantenham os ataques e impeçam a realização das eleições presidenciais previstas para o dia 25. Desta vez, as punições podem se estender a setores sensíveis da economia russa, como energia e o sistema bancário. As sanções anteriores, aplicadas sobre políticos e militares russos e dirigentes separatistas ucranianos, falharam em levar a uma saída da crise.

— Na Europa, tomamos a decisão de que, se houver uma desestabilização maior, vamos dar início a uma terceira etapa de sanções. Não é necessariamente o que queremos, mas estamos preparados e prontos para tomar tal decisão — ameaçou Merkel.

A chanceler federal alemã, uma interlocutora crucial no diálogo dada sua influência sobre o Kremlin, reuniu-se ontem durante quatro horas com Obama em Washington. Potências ocidentais acusam a Rússia de apoiar as ofensivas separatistas no Leste ucraniano, onde a maioria da população fala russo. Para o presidente dos EUA, o poder de fogo dos rebeldes, que derrubaram ontem dois helicópteros das forças ucranianas, reforça a tese de que o movimento não é tão espontâneo quanto Moscou alega ser.

— A honestidade e a credibilidade de Putin estão abaladas. O governo da Rússia insiste em tratar a situação como fruto de manifestações espontâneas, mas manifestantes espontâneos não derrubam helicópteros — disse Obama.
Os dois governantes também pediram à Rússia que ajude na libertação dos observadores europeus da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE), detidos desde a semana passada em Slaviansk.

As discordâncias surgiram quando o tema da discussão passou à espionagem americana, que abalou as relações bilaterais no ano passado.

— Há algumas arestas por aparar — disse Obama em entrevista coletiva.
Merkel também foi evasiva após o encontro:


— Temos diferenças de opinião que devemos resolver.

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